Bairro histórico do interior paulista ganha investimentos e inicia reocupação econômica e turística
Publicado em 10 de Agosto de 2015.
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Foto: Paulo Heise
Ruínas charmosas do que foi um modelo para o Brasil de usina açucareira na década de 50 entram em recuperação em agosto; no Monte Alegre está a maior obra de Alfredo Volpi
Cenário para o romancista José de Alencar e abrigo da maior obra do pintor Alfredo Volpi, o bairro tombado no interior paulista, o Monte Alegre, em Piracicaba (a 170 km da Capital), irá renovar-se econômica e turisticamente após a pujança do império dos Morganti, com fim na década de 50. As ruínas charmosas do que foi um modelo para o Brasil de usina açucareira, incluindo um conjunto de casas para operários, a Vila Heloisa, recepciona, em 2015, um processo de maciços investimentos, que tem como marco inicial o lançamento da mostra de arquitetura, o Village Arte Decor.
Organizado pelos empresários Bruno Chamochumbi (MBM Escritório de Ideias) e Eduardo Pelaes (PublicArt), o Village Arte Decor exibirá mais de 20 ambientes num evento multissetorial, que inclui palestras e workshops, gastronomia, música, artes plásticas e história (veja mais detalhe abaixo).
“É emocionante ver e fazer parte do ressurgimento de um bairro com uma história ímpar, que será reconstruído com todo know-how de um elenco da arquitetura”, comenta Chamochumbi, sócio diretor do Village Arte Decor. Pelaes, que está no setor de grandes eventos para arquitetura há dez anos, revela que o formato será levado a outras cidades. “Estamos entusiasmados em fazer algo inovador e em deixar um legado para a população, com alavancagem econômica e turística.”
O Village Arte Decor, que acontece de 16 de outubro a 29 de novembro em um espaço de 4.000 metros quadrados, é o grandebut do processo de reocupação de uma área maior, de 410 mil metros quadrados – que estão sob a tutela do Estado e do município, via Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) e Codepac (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural), respectivamente. “A mostra será a fachada da área total. Grandes projetos virão por aí”, afirma o proprietário da usina e empresário, Wilson Guidotti Junior.
Parte da tradicional família piracicabana, Wilson Guidotti comprou, há 15 anos, a massa falida de Silva Gordo, o último proprietário da usina que, em 1971, nomeou o negócio por Refinadora Paulista. As terras do Monte Alegre, somadas a pequenos sítios, tinha mais de 5.000 hectares.
No auge do Monte Alegre, na década de 40, quando o local se descolou de Piracicaba e constituía uma cidade dentro de outra, o bairro tinha 3.000 habitantes – hoje não chega a 500. Naquela época, a maioria absoluta era formada por funcionários da usina, que contavam, além das vilas operárias, com educação de primeira qualidade (o Grupo Escolar Monte Alegre), armazém, farmácia, padaria, torrefação de café, bar, cinema e clubes recreativos. A igreja pintada por Alfredo Volpi, a Capela de São Pedro, é destaque até hoje, construída para atender ao fervor católico de Pedro Morganti – a edificação é uma réplica de uma igreja toscana, com 600 metros quadrados de afrescos das paredes ao teto.
A era dos Morganti iniciou em 1910, quando a usina começou a se tornar referência brasileira na produção açucareira – segundo o escritor Cecílio Elias Netto, a usina atingiu o status de melhor produtora brasileira de açúcar. Nascido na Itália, em 1876, Morganti criou, em 1916, a Cia. União de Refinadores, e depois transformou o engenho em Usina Monte Alegre. Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, ele ampliou a área das propriedades rurais e, em conseqüência, sua produção. Em 1938, a Usina Monte Alegre era formada por enormes propriedades que se espalhavam por Piracicaba, Limeira e Rio das Pedras.
Antes de Morganti construir seu legado, o Monte Alegre já possuía um passado reluzente. No início do século 19, a fazenda Monte Alegre já era o centro de um engenho de açúcar dos mais produtivos nacionalmente, comandado por José da Costa Carvalho, o Marquês de Monte Alegre.
Com a morte do marquês, a administração passou para Antonio da Costa Pinto, novo marido da viúva, Maria Isabel. O local passou a receber visitantes ilustres, como José de Alencar, considerado criador do romance brasileiro. Ele escreve Til, publicado em 1872, inspirado pelo ambiente rural do Monte Alegre. O título da obra teria nascido do formato das curvas do rio Piracicaba, que Alencar achava parecido com o sinal gráfico.
Chamado de Conselheiro Costa Pinto, Costa Carvalho morre em 1887. A partir daí o Monte Alegre passa por diversas mãos, sempre tendo como base a monocultura da cana-de-açúcar e a mão de obra escrava. No início do século 20, o Engenho do Monte Alegre registrou uma produção anual de 5.000 sacas de açúcar.
VILLAGE ARTE DECOR, UMA MOSTRA COM ALMA
Instalado num conjunto de casas de operários e galpões anexos da antiga usina de açúcar, o Village Arte Decor inaugura uma nova fase para o bairro mais cool de Piracicaba, o Monte Alegre. O local foi escolhido para o lançamento mostra itinerante de arquitetura, design e paisagismo, que tem formato inédito no Brasil. O Village Arte Decor irá promover um complexo de artes, subdividido em quatro áreas: música, gastronomia, conteúdo (palestras e workshops) e infantojuvenil.
A primeira edição do Village Arte Decor já possui 24 espaços contratados de arquitetos, designers ou paisagistas, contando com a adesão de nomes como Celso Laetano e Juarez Borges, conceituados arquitetos brasileiros.
Além dos ambientes tradicionais típicos de uma mostra de arquitetura, o Village Arte Decor também contará com espaços funcionais, como floricultura, joalheria, doceria, enoteca, laboratório do sommelier de cerveja, loja de decoração e design e sushi house. Conforme o proprietário da área da usina, Wilson Guidotti Junior, as operações restaurante, pub e café deverão permanecer em funcionamento após o encerramento do Village Arte Decor no Monte Alegre.
Os ritmos transitarão pelo jazz, MPB, instrumental, rock e samba, incluindo dança. As exposições trarão peças e quadros de artistas mundialmente conhecidos, além de uma edição selecionada de fotos antigas do Monte Alegre. Em conteúdos, a pré-seleção já conta com temas como fotografia, cerveja artesanal, patrimônio histórico, sustentabilidade, economia criativa e empreendedorismo. Para o público infantojuvenil as atividades vão de brincadeiras antigas de rua a apresentações musicais temáticas. A gastronomia transitará pela culinária japonesa, docerias especializadas, cervejas e vinhos.
Acompanhe o Village Arte Decor pelo Facebook (/villageartedecor) e Instagram.
PATRIMÔNIO
A instalação da mostra de arquitetura e design, o Village Arte Decor, no Monte Alegre, em Piracicaba, segue todas as diretrizes municipais contidas no estudo oficial, quanto à cultura e patrimônio, descritas no Cadus (Caderno de Estudos e Projetos para o Desenvolvimento Sustentável de Piracicaba e Aglomeração Urbana). O terceiro volume deste estudo, sobre Zonas de Zeladoria do Patrimônio Cultural, realizado pelo Ipplap (Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba), dedica dois capítulos inteiros ao Monte Alegre, concentrando numa publicação oficial um amplo planejamento da prefeitura para a ocupação das áreas em ruínas – que respeitam o tombamento do bairro.
“Posso afirmar que o Village Arte Decor está baseado nestas diretrizes e alicerçado neste estudo de cultura e patrimônio. Com a mostra, teremos um grande avanço na recuperação e, mais importante que isso, também ocuparemos o espaço de forma permanentemente, e este é o grande diferencial do Village Arte Decor. Nós, do Codepac, comemoramos muito (a implantação no Village). Não teremos uma mostra que dura dois ou três meses, e que, com o fim, é desmontada totalmente. Pelo contrário. A permanência de algumas operações da mostra e o senso de uso transformarão o local em mais um espaço para a cidade”, comenta o presidente do Codepac (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Piracicaba), Mauro Rontani sobre a área que está desativada há pelo menos 40 anos.
Todo bairro Monte Alegre é tombado pela esfera municipal, inclusive suas árvores centenárias, informa Rontani – o tombamento do bairro via Condephaat ainda não foi finalizado, mas a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo informa que “as intervenções são analisadas caso a caso, já que ainda não têm diretrizes aprovadas” para o bairro. O processo para tornar o Monte Alegre um patrimônio e ter preservada sua história de um dos berços da cana-de-açúcar foi iniciado pelo município em 1991, com o tombamento da Capela de São Pedro.
Num nível avançado, as diretrizes municipais para uso do espaço, inclusive o da área da usina, foram desenvolvidas em 2006 por um grupo de trabalho (GT), composto por Marcelo Cachioni, Teresa Blasco, Wilson Guidotti Jr. e André Heise. As orientações e definições deste GT foram publicadas no 3º Cadus e inclui ações direcionadas ao turismo e usos sugeridos, que destacou a necessidade de concretização de projetos de recuperação para as Vilas João de Barro e Heloísa.
“Do ponto de vista de recuperação é de suma importância a existência do Village quanto à estrutura que passará a existir para que o bairro permaneça como um ponto turístico de Piracicaba, assim com o é o Engenho ou a Rua do Porto. São necessários estrutura e organização para receber o turista ou um novo negócio, e recuperação de um prédio tombado incute ao valor patrimonial comercial o valor arquitetônico e valor”, diz Rontani.
Eduardo Pelaes, sócio diretor do Village Arte Decor, destaca que seguir as diretrizes e atender às legislações é preponderante na organização do evento. “Estamos muito atentos para que o processo de recuperação do Monte Alegre atinja seu auge e devolva um patrimônio totalmente renovado”, diz Pelaes.