Fazemos acontecer

Testemunhas em campo

Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | 06ª Edição | Março | 2013
Foto: Alessandro Maschio / MBM Ideias

Jornalistas veteranos contam histórias do XV que não foram publicadas

Transmitir por imagens ou pelas ondas do rádio a paixão pelo futebol é uma situação única no jornalismo. A presença do profissional no campo, a convivência com os jogadores e equipe técnica e toda a aproximação deste universo que a comunicação proporciona, dão ao profissional a possibilidade de colecionar experiências e histórias, muitas vezes, não são compartilhadas com o público por meio da foto ou da narração. Nesta matéria, o leitor poderá conhecer algumas passagens do XV de Piracicaba narradas por repórteres veteranos de rádio e jornal da cidade.

O premiado fotógrafo Paulo Alcides Tibério, o Pauléo, 56, acompanha o alvinegro desde a década de 80. Clicando momentos dentro do campo ou viajando dentro do ônibus com o time, Pauléo viveu grandes momentos com o seu time do coração. “A sensação de fazer meu trabalho dentro do campo, fotografando e torcendo, é diferente de fazer qualquer outro tipo de foto.” O acervo de Pauléo está em exposição no Centro Cultural Martha Watts, na galeria de imagens do historiador Rocha Netto.

Sobre os jogos que Pauléo acompanhou, ele cita a partida em Volta Redonda (RJ), quando o XV foi campeão da série C com um único gol de Biluca, fazendo o time subir para a série B; e de 2011, o fotógrafo destaca o empate em jogo contra o Comercial de Ribeirão Preto, placar que colocou o XV na série A.

Entrando pela seara das histórias pitorescas, o fotógrafo conta o episódio que se passou em uma pizzaria quando o então presidente do XV, Romeu Italo Rípoli, proibiu os jogadores de tomar cerveja. “Estávamos no restaurante, na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro, juntamente com o time do Cruzeiro, com quem tínhamos jogado um amistoso. O Rípoli era bravo e mandou o garçom parar de trazer cerveja. Combinamos com a mesa dos adversários e eles pediam e nos passavam a bebida. Era muito gostoso esse clima.”

Gerson Mendes narra os jogos do XV pela DifusoraNuma outra viajem, desta vez a Taubaté (SP), o ônibus parou em um restaurante de beira de estrada e Rípoli comprou um saco de biscoito de polvilho. “Ele sempre ocupava os dois primeiros bancos. E ia fumando o charuto dele. Desta vez, ele dormiu. O Pitanga pegou o biscoito, passou para todo mundo e devolveu cheio de ar. O Rípoli acordou, viu a situação e o Pitanga gritava: ‘Camarão que dorme a água leva’.”

Desta vez sem datas, Pauléo conta sobre o jogador Uriel. Sentado no banco de reserva e com o técnico do XV suspenso, ocupando um lugar atrás do alambrado, Uriel queria entrar em campo para ganhar o ‘bicho’ do jogo. “Ele estava precisando de dinheiro”, conta o fotógrafo. Com o jogo praticamente ganho e fácil, Uriel levantou-se e pediu ele mesmo a substituição ao juiz – sim, ele conseguiu entrar na partida por conta própria. “O técnico queria matá-lo”, lembra Pauléo.

O episódio de violência aconteceu em Brasília (DF). Jogando contra o Gama e podendo perder por até dois gols, o estádio lotado assustou os quinzistas. A torcida local chegou em massa, arrebentou o portão e invadiu o estádio. “Durante o jogo, eles balançavam o alambrado que separava as duas torcidas.” Faltando cinco minutos para o jogo acabar, Pauléo conta que se escondeu no vestiário do Gama. “Já acontecia uma ‘chuva’ de pau e pedra em cima de nós. A polícia montou um cordão humano para podermos chegar ao ônibus.”

Diferente da recepção no DF, quando acessou a série B contra o Volta Redonda, a ‘volta olímpica’ do XV pelo campo com a taça em mãos foi aplaudida de pé pela torcida adversária.

Um último episódio, lembrado por Pauléo, remete à camaradagem intrínseca entre imprensa e jogadores. “Na boca do túnel, entrando para o jogo, China falava pra mim: ‘Pauléo, acende um cigarro para eu dar um trago.” O fotógrafo e torcedor destaca que hoje as coisas mudaram. “Antes, viajávamos (imprensa) junto com o time. Hoje, quase nem conseguimos chegar perto”, diz com pesar.

Torcedor do XV desde pequeno, Pauléo atribui a paixão pelo time à identidade com a vida no interior. Sentimento compartilhado entre tantos e constatada durante um passeio dele por Ilha Comprida (SP). “Estava na praia e passou um ambulante vendendo isopor para latas de bebida. Todas tinham emblemas de time. Perguntei se ele tinha do XV. Para minha surpresa, o vendedor tinha e me disse que era a mais vendida.”


RÁDIO

Pode-se dizer que o rádio e o futebol nasceram um para o outro. Dinival Tibério, 70, Rogério Achilles Tomaziello, 58, e Gerson Mendes, 64, todos radialistas de brilhante carreira, nasceram amando o rádio, o futebol e o XV de Novembro de Piracicaba.

Dinival Tibério, irmão do fotógrafo Pauléo, no ar atualmente na rádio Educadora AM com o Bola na Várzea, do meio-dia às 13h30, tem 50 anos de profissão e coleciona empregos como comunicador desportivo no Desafio ao Galo, da TV Record; como repórter atuante junto a Fausto Silva, o Faustão; repórter de campo na rádio Alvorada, quando acompanhou o início da carreira do jornalista Roberto Cabrini.

Hoje, Dinival, além de radialista, é presidente da Associação Varzeana de Futebol de Piracicaba, que fica alocada no Estádio Barão de Serra Negra, onde ele decorou uma grande parede com várias fotos de momentos da sua carreira.

O fotógrafo Pauléo acompanhou o XV por vários anosEle começa a entrevista falando do jogo de 1983. Ele lembra do ano, de Romeu Ítalo Rípoli (a quem ele chama de professor do XV), classificando-o como o melhor presidente de todos os tempos do time. Sobre o mesmo período, Dinival fala a respeito de um ‘time selecionado’ com jogadores como José Eduardo Pianelli e de um jogo decisivo contra o Bandeirante de Birigüi.

“Entrou um cara no campo com um frango vivo e soltou o bicho no gol do Birigüi. O jogo ficou paralisado por 20 minutos. Era goleiro e todo mundo correndo atrás do frango. Este foi um fato, digamos, folclórico”, conta Dinival.

Gerson Mendes é natural da fluminense e serrana Petrópolis e tem quase 30 anos de profissão. Ferrenhamente apaixonado pelo XV, ele está em Piracicaba desde 1986, atua na rádio Difusora AM, em programa jornalístico que mescla notícias gerais e do esporte, das 9h30 ao meio-dia, e  quando o XV joga aos finais de semana.

Entre os jogos, ele recorda de episódios como o do título de campeão do Brasileirão, em 1995, e do acesso à série B "depois de muito tempo".

Com um grande repertório de histórias, algumas impublicáveis, ele lembra do bordão do repórter Edvaldo Tietz, que se voltou contra seu próprio criador. “Quando o XV fazia gol, ele gritava sonoramente: "Chuuuuupa que a cana é doce".”

Entretanto, em um jogo contra o Taquaritinga (SP), nos anos 90, durante uma partida praticamente ganha para o XV, o adversário empatou e quase complicou a ‘vida’ do alvinegro no campeonato. “(Com o gol convertido pelo Taquaritinga) o meu amigo teve que ouvir o mesmo bordão de toda torcida adversária, além de toda zoação.”

Em uma outra partida, há alguns anos contra o Bragança Paulista, um pênalti a favor do XV coloca todos os repórteres em campo. Gerson, na cabine de imprensa, chama o repórter de campo. O radialista percebe que há algo estranho quando ele fala da cobrança e o repórter vai apenas confirmando suas informações.

Ao final da partida, Gerson descobre que o repórter estava com uma diarreia e passou a fazer suas entradas na rádio do banheiro. “Naquele tempo, os microfones tinham um frio comprido, de 200 metros”, lembra ele, rindo muito.

Mas a diarreia não é a pior companheira do mundo desportivo. “Depois que entrou muito dinheiro no futebol, tecnicamente, o esporte piorou”, afirma Gerson. Dinival também faz a sua crítica ao mundo atual da bola. “O futebol perdeu bastante. Antigamente, o jogador ganhava pouco e fazia muito. Hoje, o craque é aquele bem preparado fisicamente. Antes, o jogador nascia com a arte no pé.”


FAMÍLIA QUINZISTA

Narrando a bola em jogo desde 1972 nas ondas das rádios Voz de Piracicaba, Band Campinas e São Paulo, Gazeta, Capital, Record, Tupi e outras, na TV Record ou integrando equipes de assessoria de imprensa como a do São Paulo Futebol Clube, Rogério Achilles Tomaziello, 58, conseguiu ir mais longe em sua relação com o futebol.

Rogério fez carreira em São Paulo, mas sempre acompanhou o XV

O jornalista formado pela PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica), em 1979, nasceu numa tradicional família quinzista: o avô Achilles, foi da primeira formação de 1914; o pai Rogério e o tio Armando, integrantes do time de 1948. O radialista respirava o futebol ainda bem pequeno, dentro de casa e sempre na ilustre companhia do maior historiador do alvinegro, o jornalista Delphim Ferreira da Rocha Netto. “Ele sempre estava em casa. Ouvia suas histórias de boca aberta. E meu pai chegava a chorar ao ver seus arquivos esportivos, um dos maiores do mundo”, conta o radialista emocionado.

 “A primeira vez que narrei um jogo, a partida foi XV contra Catanduvense, em 1973. Eu tinha 16 anos. O jogo terminou com o XV ganhando por 1x0, com gol de Nelsinho. Dinival Tibério foi quem escreveu a primeira notícia que li no ar. De qualquer forma, sou mais rigoroso com o time do coração. E não é uma questão de vibrar mais ou menos. Independente da vontade, o coração bate mais forte. Tem que ser mais sincero e profissional.”

Comunicadores, fotógrafos, radialistas, jornalistas ou não, o certo é que não há nada mais característico do interior, com toda aquela conotação de amor de família, como o XV de Piracicaba. (por Cristiane Bonin)

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