Três mulheres falam da experiência de sobreviver a um diagnóstico de câncer e de como conseguiram dar a volta por cima
Sem aviso, elas se viram como protagonistas de um filme que começava como aqueles terrores exagerados, com o chão se abrindo e a sombra da morte passando por perto. Mas conseguiram encontrar forças para mudar esse enredo sombrio e transformar a história em uma lição de resistência, dessas que devem ser compartilhadas numa época como esta, quando o Natal e o fim do ano nos obrigam a pensar no que conquistamos, nas nossas derrotas e nos planos para o futuro. É o que aconteceu com essas três mulheres: a economista Rosane Grisotto, a jornalista Andréa Mesquita e a professora aposentada Edna Gregolin Grisotto. Elas encararam diagnósticos graves (as duas primeiras de câncer de mama e a outra de leucemia), mas deram a volta por cima. E contam aos leitores sobre o sabor da vitória.
Parar de engolir sapo
Rosane lembra até hoje muito bem da sua reação ao ouvir do mastologista Sérgio Bruno Barbosa a revelação de que estava com câncer. “Foi horrível, eu perdi o chão, porque a gente nunca imagina que vai ter isso. A mim me pareceu uma sentença de morte. Ele tentou me acalmar, mas eu saí do consultório chorando”, conta.
O caso dela foi diferenciado porque o tumor estava mascarado. Os laudos e as imagens eram normais, mas o médico pressentiu e pediu que os exames fossem refeitos. Então, os tumores, dois, com média de dois centímetros, foram descobertos e operados 20 dias depois. “Correu tudo bem porque os linfonodos não estavam comprometidos e eu não tive metástase”, lembra.
A partir daí, ela encarou as sessões de quimioterapia, que definiu como muito dolorosa no começo, e atualmente passa pela radioterapia, estando perto do fim das 33 sessões. Conta que teve dois ‘anjos’ que a acompanham: o mastologista e o oncologista André Marques. A grande sorte, revela, é ter contado com o apoio total do marido, o economista Lineu Maffezolli, e da família. “Se antes eu achei uma sentença de morte, hoje acho uma sentença de vida. De vida nova. De recomeço. Fiquei muito mal por dois dias, chorei até cansar, mas depois dei uma respirada e decidi reagir. Isso combina com a minha filosofia de vida, porque sou espiritualista.”
Em momentos de desafio, acredita Rosane, a fé do paciente é a principal aliada da ciência dos médicos. “Mas pode ser qualquer crença, isso é o de menos”, ressalta. Na parte pessoal, ela se sente hoje totalmente mudada. “Eu sempre fui muito forte, uma canceriana que não foi mãe, mas que sempre foi o apoio da família toda. O resultado é que não me dava o direito de ser frágil de vez em quando. Mas era porque as pessoas compraram a imagem que eu vendi”, revela.
Rosane acredita, sim, que existam fatores emocionais que fazem com que a doença se desenvolva. “Talvez tenha sido um pouco dessa minha dureza. Eu relaxei quanto a isso e me senti no direito de me colocar em primeiro lugar e passei a dar umas respostas que nunca imaginava que daria. Em resumo: parei de engolir tanto sapo!”, define.
Se isso lhe deu mais auto-estima, fez também com que algumas pessoas se afastassem. “No começo me doeu, mas penso que é uma peneira que a vida lhe dá. Também não tive problema com a queda de cabelo que veio com a quimioterapia. Nunca fui ligada em ditadura da estética. Não acho que tirei uma lição disso, não penso muito nisso. O que sei é que sou uma pessoa vitoriosa e acho que mudei para melhor”, conclui.
Vida 2 x 0 Doença
Depois de dez anos, Andréa Mesquita recebeu recentemente a notícia de que está clinicamente curada do câncer de mama. A jornalista teve o primeiro diagnóstico em 2003, mas, em 2008, quando pensava ter se livrado, recebeu a notícia de que o tumor havia voltado, e mais agressivo.
“Hoje eu estou em alta. E o que significa isso? Vou continuar fazendo exames de seis em seis meses, me prevenindo como sempre fiz. Mas o principal foi tirar o peso de estar doente”, define. O primeiro susto aconteceu quando ela trabalhava num jornal de Araraquara. Eram exames de rotina e a jornalista, que escrevia sobre saúde, nem se preocupou com o resultado. “Peguei os exames na segunda-feira e a consulta de retorno seria na sexta. Deixei na bancada. Na quarta-feira, a secretária do médico me ligou dizendo que ele precisava falar comigo com urgência. Tremi e fui correndo ao consultório”, lembra.
Ao receber a notícia, Andréa conta que a primeira frase que lhe veio à cabeça foi: Por que eu? “Ao mesmo tempo não sei por que a gente só pergunta isso quando acontece alguma coisa ruim. Eu sou sempre muito dramática e intensa, tudo comigo é meio over. Ao mesmo tempo sou muito positiva, sem ser uma ‘Poliana’. Minhas relações também mudaram. Dizem que você mede a quantidade de amigos quando dá uma festa. E a qualidade quando fica doente. E isso é verdade”, define.
Força ela precisou ter quando, cinco anos de tratamento depois (três cirurgias e 33 sessões de radioterapia), ela encarou o fato de que o câncer tinha retornado, isso às vésperas da viagem de seus sonhos, ao Egito, que teve de adiar. “Eu brinco dizendo que a primeira (vez que teve cáncer) foi um passeio ao zoológico enquanto a segunda foi um safári na África”, define.
A situação era bem mais grave, com tumor do nível três (o máximo é cinco) e 50% de cura. Mas ela se agarrou a essa chance e ao positivismo. Fez um projeto de vida com vários sacrifícios, entre eles um ano e meio sem chopinho. E precisou lidar com a vaidade. “Eu perdi o cabelo, mas não a vaidade, e comprei uma peruca de cabelo natural que paguei R$ 850. E ainda mandei cortar Chanel, do jeito que eu queria.”
Se existe uma lição depois de tudo isso, resume a jornalista, é mudar os valores. “Eu sei que isso soa clichê, mas é muito bom a gente parar de dar tanto valor a pequenas coisas. Hoje prezo muito mais pelos pequenos momentos que compartilho com as pessoas de quem gosto”, conta. Mas guarda uma grande saudade da amiga Aline Gonçalves, que conheceu na quimioterapia e que se foi muito cedo, aos 33 anos. “Eu penso nela muito e a morte dela me abalou. Engraçado que, outro dia, a irmã dela me contou que foi ao Rock in Rio ver o show do Bon Jovi e esse era o maior sonho dela. A irmã disse: ‘Aline, se você estiver aqui, me dê um sinal”. Logo em seguida uma menina que estava atrás gritou: ‘Aline, venha aqui!’ Como não acreditar?”
Andar com fé
Edna descobriu a doença por acaso, durante uma consulta com o ginecologista que recomendou a ela que fizesse um hemograma. O hematologista realizou um exame chamado mielograma e o resultado apontou uma doença chamada trombocitemia essencial. Maligna, mas com controle feito por quimioterapia oral. Desde que não evoluísse para mielofibrose, que é a necrose da medula óssea.
Pois foi justamente o que aconteceu. “Recebi esse diagnóstico ainda fragilizada pela morte repentina do meu marido. A quantidade de plaquetas, células responsáveis pela coagulação do sangue, era muito alta e houve um descontrole total. Foram testados vários medicamentos oferecidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mas já sabia que a cura só viria pelo transplante de medula. Fiquei apreensiva, mas sem medo de morrer. Ofereci todo meu sacrifício a Deus. Nunca reclamei de nada”, revela Edna.
Antes de transplantar, Edna fazia transfusões de sangue a cada oito ou dez dias. Durante este tempo, ficou internada inúmeras vezes no Hospital dos Fornecedores de Cana. Passou por cirurgia de retirada do baço, que cresceu demais, fez uma trepanação (retirada de líquido da caixa craniana), teve infarto, AVC (acidente vascular cerebral). Depois de tudo isso, partiu com apoio do médico André Lourenço, para as possibilidades do transplante.
A doadora foi a irmã, Cida Abe, com quem tinha compatibilidade total. O transplante foi realizado no dia 13 de maio (“dia de Nossa Senhora de Fátima”, ela completa) de 2009, em Campinas. “Fiquei mais de 20 dias na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Os apartamentos são refrigerados dia e noite, a 19 ou 20 graus, para evitar proliferação de bactérias. Podia receber visitas, mas que precisavam usar máscaras e podiam ficar pouquíssimo tempo”, conta.
Tudo parecia ter corrido bem, mas vieram algumas intercorrências após o transplante e ela precisou ser internada várias vezes. “Olhava pela janela, o cair das tardes de Inverno, vinha uma tristeza. Não via a hora de estar em casa novamente. Meu Deus, quanta vontade de viver! E, por isso, suportei tanto sofrimento.”
Mesmo com a compatibilidade de 100% com a irmã, Edna ainda precisa tomar remédios, que são agressivos. “Tenho a doença do enxerto contra o hospedeiro. Isso quer dizer que a medula dela ainda não reconhece plenamente o novo corpo. É engraçado, né? Mas, um dia isso vai acabar, é questão de tempo”, garante.
Hoje, Edna acredita que esteja plenamente curada, depois de encarar tantas dificuldades, sem nunca perder a esperança. “Meus médicos do Hemocentro da Unicamp dizem que eu sou ‘a garota-propaganda do transplante’ devido ao sucesso, pois a margem de sucesso é de 25%. E depois do transplante, a gente vira um bebê! Tenho 69 anos de idade e quatro anos e meio de vida nova. Pode? Tenho até carteirinha de vacina cor-de-rosa e tive que receber novamente vacinas de sarampo, catapora, gripe e outras”, conta.
Por isso, a principal lição aprendida por ela foi tolerância e generosidade. “Aprendi a amar mais o próximo, agindo e interagindo com seus problemas. O próximo ficou mais próximo. Hoje sou mais generosa e solidária. É comprovado que a dor e o sofrimento nos deixam mais humanos e sensíveis. Nos altos e baixos dessa caminhada dolorosa, aprendi a deixar os pequenos problemas para trás, confiando cada vez mais e sabendo que existem milagres. E eu sou um milagre da vida. Em todos os sentidos”, conclui.