Fazemos acontecer

A arte de resistir

Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | 11ª Edição | Janeiro | 2014
Foto: Alessandro Maschio/MBM Ideias

Com apoio e dedicação total dos pais, estudante tetraplégico luta diariamente para alcançar a independência

Franklin Hegudusch, 28 anos, tem sonhos. Ele está no 6º semestre de ciências da computação na Faculdade Anhanguera e já consegue fazer alguns pequenos trabalhos na área. Quando dorme, os sonhos de Franklin também são movimentados. “Eu sonho que estou nadando, andando de bicicleta. Porque meu sonho mesmo é ser independente. E vou conseguir”, afirma, na casa em que divide com os pais, Domingos e Ariadne, em Santa Teresinha.

O detalhe é que Franklin sofreu um grave acidente há sete anos, quando voltava de Limeira, onde estudava TI (Tecnologia da Informação) e fazia um estágio numa empresa da cidade. Terminadas as aulas, voltava para Piracicaba. A última coisa da qual se lembra foi o pedágio. “Ele me contou que foi abrir o porta-luvas para pegar o dinheiro e, com isso, esqueceu de colocar o cinto de volta”, lembra Domingos.

Logo depois veio o baque. O carro bateu no guard-rail e, pelo que se concluiu pela análise da perícia, capotou, e Franklin, que deve ter cochilado na direção, foi arremessado pela porta dianteira e caiu num barranco logo após o acostamento. O arremesso provocou o que se chama de ‘chicote’, movimento que esmaga as vértebras cervicais (parte posterior do pescoço).

Primeiro, Franklin precisou de força e paciência, pois ficou no barranco das 23h30 de um dia (era 11 de agosto de 2006 ) até as 6h30 do dia seguinte, quando finalmente foi localizado às 7h30 por um funcionário da Intervias. Foram sete horas de angústia. “Eu fiquei deitado no mato e logo percebi que não conseguia me mexer do pescoço para baixo. Demorou um pouco até eu notar o que tinha acontecido comigo. Tentava chamar por socorro, mas ninguém ouvia”, lembra.

O único som mais forte que ouvia era o toque de seu celular, mas ele não conseguia alcançá-lo. Foram muitas chamadas. Era a mãe, claro. “Eu comecei a ficar preocupada com a falta de resposta, comentava com o Domingos, mas ele falava ‘ah, ele deve ter saído com alguma garota’. Mas coração de mãe não se engana. Fiquei a noite inteira acordada esperando a notícia”, conta.

Quando a notícia chegou, parecia desesperadora. Primeiro porque o rapaz ficou muito tempo sem atendimento médico, jogado no acostamento, e estava com sinais de hipotermia. E não apresentava movimentos do pescoço para baixo. “O médico não chegou a dizer que eu nunca mais iria andar, mas eu passei por uma fase em que só ficava perguntando para Deus: por que eu?”, conta a rapaz.

A sorte, ele reconhece, é que pulou a fase da depressão e nunca se entregou. Ele acredita que essa postura fez com que os pais nunca desistissem de acreditar em sua recuperação. “Desde a primeira cirurgia, no Hospital dos Fornecedores de Cana, o médico nos disse que era de altíssimo risco, mas ele reagiu bem. A partir daí nos apegamos a Deus, à nossa força interior e ao desejo de ver o nosso menino de pé de novo”, destaca Domingos.

Com o tempo, eles foram tentando vários tratamentos, mas uma escara (a necrose que surge por causa do longo tempo imóvel na cama) chegou a prejudicar durante algum tempo. A situação durou 14 meses, mas aos poucos ele foi vencendo a situação.

A resistência do filho fez com que os pais começassem a procurar todo tipo de alternativa. Ariadne mostra que na casa, até móveis (a mesa da sala foi trocada por banquinhos) e eletrodomésticos (o fogão hoje é um compacto, de duas bocas) foram vendidos, mas o filho tem computador, notebook e iPad no quarto.

Passaram por peregrinações em busca de tratamento em várias instituições (AACD, Instituto Luci Montoro e até o Hospital Sarah Kubitscheck, em Brasília). Promoveram bingos e ganharam um grande jantar, no dia 28 de dezembro de 2007, de um restaurante da Vila Rezende. E tiveram a maior alegria quando uma pessoa (que não quis se identificar) fez a doação de uma cadeira de rodas elétrica, avaliada em R$ 13 mil, o que facilitou o seu progresso.

Hoje Franklin faz fisioterapia diariamente, além de aulas de natação e de equoterapia na Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz). A vértebra se refez, os movimentos da mão estão retornando lentamente e ele já fica em pé parado, com andador.

De volta aos estudos

Há três anos, Ariadne contou uma novidade para o marido. “O menino quer voltar a estudar, o que vamos fazer?” Claro que terminaram por dar todo apoio à decisão. Domingos, que trabalha com vidro jateado numa pequena oficina em casa, aproveita o horário das aulas de Franklin, na Faculdade Anhanguera, no período noturno, para trabalhar.

“Nós saímos daqui de Santa Teresinha por volta das 19h, deixamos o garoto na aula e ficamos até as 23h, dentro do carro estacionado, trabalhando. Isso porque dedicamos a ele as manhãs e as tarde. É o tempo que nos sobra”, explica Domingos.

Franklin conta que no começo os colegas de classe parecem ter estranhado um pouco, afinal ele é o único cadeirante. Aos poucos, porém, foram se acostumando, porque ele se define como bem-humorado. Nem reclama também da ‘peneira’ que acontecimentos como esse promove nas amizades. “Ah, tinha algumas pessoas que não saíam de casa e de repente sumiram. Mas eu não me magoo. Sei que tem gente que não sabe lidar com uma situação como essa, nem é por mal que fazem isso”, revela.

Ele parece estar lidando muito bem com a situação. Tanto que, apesar do acidente automobilístico, pensa sim em voltar a dirigir. E termina lembrando mais um sonho que teve recentemente. “Eu me vi dirigindo, indo para a praia sozinho. Eu sei que vou voltar a ter uma vida como a que era antes”, garante. Alguém  (por Ronaldo Victoria)

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