Especial Dia das Mães - Minha mãe é minha professora!
Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | 13ª Edição | Abril | 2014
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Foto: Alessandro Maschio
Duas educadoras falam da experiência de dar aulas para os próprios filhos
Por Ronaldo Victoria
Mães que dão aulas para os filhos. A situação exige, sim, cuidados. Dos dois lados. Porque a mãe, para não ser acusada de proteção, pode exagerar na energia com o filho na sala de aula. E o filho, por sua vez, tem chance de se sentir prejudicado se a mãe não souber se equilibrar entre os dois lados.
Porém, essa é uma situação que duas docentes do Colégio Piracicabano, Analice Mourão e Suzane Lindoso, tiram de letra. Afinal, neste ano elas a vivem pela segunda vez. Hoje, Analice dá aulas para a filha Patrícia, e Suzane é a professora de Tales. Mas antes tiveram em classe, respectivamente, os filhos Rodrigo e Ivna.
Literalmente mais ‘escoladas’, elas não veem mais problemas a serem encarados com a situação. “É uma oportunidade única de transmitir para minha filha aquilo que tenho ensinado a meus alunos há mais de 20 anos. É um orgulho mostrar para ela como faço meu trabalho”, conta Analice, que dá aulas de ciências. “Quando soube que seria professora do Tales, agi normalmente, pois já sabia que o faria. É comum, em nossa escola, professores darem aulas para os seus filhos no ensino fundamental 2 e no ensino médio”, lembra Suzane, professora de português.
Para Analice, o que deve ficar de fora da classe, em primeiro lugar, é o privilégio. “A principal dificuldade é ficar claro que na sala de aula eu sou a professora dela e que ela tem os mesmos direitos e deveres dos demais alunos. Mas as aulas têm sido tranquilas e a postura dela também. Sinto até que fica mais quieta na minha aula”, revela.
A professora lembra que outros alunos podem, sim, pensar que existe proteção. “Isso pode acontecer, mas você tem de explicar para a classe que ali eu sou a professora Analice e não a mãe da Patrícia. Tenho de tomar cuidado também, pois existe a tendência natural de querer que o filho seja o exemplo. Aí você acaba sendo mais enérgica. Mas, como já dei aula para meu filho mais velho, aprendi que tenho de respeitar a individualidade dela e separar a parte profissional da emocional.”
Analice revela que a dupla experiência, com o filho e a filha, fez com que ficasse mais atenta no exercício profissional. “Comecei a observar ainda mais os outros alunos para que eles se sintam bem para perguntar, tirar dúvidas e até desabafar a respeito de algum problema. O aluno precisa de um direcionamento pedagógico rígido, mas precisa também de carinho e confiança para aprender com mais tranquilidade”, conclui.
Os filhos
Rodrigo, que hoje tem 15 anos e está no segundo ano do ensino médio, conta que o início da experiência não foi tão simples. “Nas primeiras aulas eu achei difícil para os três lados: o meu, o dela e o do resto da turma. Eu senti também que ela estava nervosa, por ser uma situação nova”, lembra. Aos poucos, porém, a mãe-professora foi se acostumando. “Mas no começo ela pegou bastante no meu pé, foi bem rigorosa, para mostrar que separava as coisas. No final foi tudo bem, porque ela é muito boa no que faz.” Já Patrícia, de 11 anos, estudante do sexto ano, a filha caçula, já pegou Analice mais experiente na situação. “Faz pouco tempo que tenho aula com ela. No começo, a gente estranha um pouco, parece que sua mãe está fazendo papel de professora. Mas logo a gente relaxa”, diz.
Na visão de Suzane, a dificuldade da situação pode ser amenizada por um elemento importante: o resto da classe. “Creio que a turma faça a grande diferença. Quando dei aula para a minha filha, em 2012, fiquei mais receosa. Essa interação é o grande desafio”, revela.
De acordo com ela, depende da postura de cada um fazer com que não haja choque entre a docente e a mãe. “Com a minha filha foi tranquilo. Com o filho, estivemos juntos pouco tempo ainda. No primeiro caso, a turma era muito tranquila em relação a isso e não enfrentei dificuldades. Inclusive, cheguei a marcar prova no dia do aniversário da minha filha. Tenho por característica própria a busca por ser justa, o que me ajudou. Mas não é fácil”, reconhece.
Uma das dificuldades principais foi não exagerar na dose e ser muito dura na sala de aula. “Porém, como tenho uma relação de muita proximidade com meus filhos, creio que não haverá exageros”, diz Suzane.
Pesando os dois lados, ela diz que o resultado é positivo, principalmente por ter o orgulho de ver os filhos indo bem, e bem de perto. “Essas experiências dão uma clareza maior do papel que um professor desempenha dentro de uma sala de aula. Como cuidamos para não proteger ou ser muito enérgicos, estendemos esse cuidado aos demais. E o filho nos auxilia no olhar sobre a turma, o que é muito bom. E ainda fortalece os laços afetivos!”, conta.
Ivna, a filha mais velha, de 13 anos, que está no 1º ano do ensino médio, lembra que o início da situação foi um pouco estranho. “Eu estava mais nervosa do que ela, não sabia muito bem como agir, mas logo tudo ficou normal. E o resto da classe agiu muito bem, a maioria diz que ela é a melhor professora da matéria”, conta. Já Tales, 11, que estuda no sexto ano, lembra que chegou a cometer uma gafe logo na primeira aula. “Eu precisava falar com ela e a chamei de mãe na sala de aula”, diz. Mas, segundo ele, a mãe soube tirar de letra a situação, e com bom humor. “O resultado acabou sendo legal e já percebo que vai ser calma a situação.”
Bom senso
Equilíbrio emocional e maturidade aão os dois requisitos principais para unir as duas funções, na visão da educadora Varuna Viotti Victoria. Ela reconhece que essa situação não é fácil de ser encarada, por serem duas atribuições importantes e que exigem muito. Mas é possível encarar a divisão sem dramas. “Mães podem ser boas professoras de seus filhos, desde que sigam algumas regras nessa relação. Devem deixar claro que o filho não deixa de ser filho porque é aluno. E vice-versa. Aceitar isso é o passo inicial. Depois, deve estabelecer regras que devem ser iguais para todos os alunos, incluindo o filho. Ele deve aprender essas regras junto com os colegas de classe. Deve receber punição, quando necessária, exatamente na mesma medida dos outros”, afirma.
Varuna diz que a questão deve ser resolvida pela mãe (“não tem como pedir a uma criança que não a veja como mãe só porque se tornou professora”) e depende dela. “É preciso que ela trabalhe os dois papéis que exerce na escola junto com o filho. O caminho mais fácil é deixar claro para a criança quais os limites que ela deve seguir na escola em relação às solicitações para a sua mãe. Escola não é lugar para discutir problemas que devem ser discutidos em casa”, conclui.
Na foto: Anelice, entre Rodrigo e Patrícia
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