Brincar de Viver
Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | ª Edição | Setembro | 2014
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Foto: Alessandro Maschio
Por Ronaldo Victoria
Condomínios proporcionam às crianças a volta das ‘brincadeiras de rua’
Criança e condomínio é uma combinação cada vez mais em alta. Já passou o tempo em que os pequenos não tinham espaço nos edifícios, que ainda pareciam muito frios. Hoje, quando as famílias estão preferindo os lugares com mais segurança, investir nos locais para as brincadeiras infantis, mais que moda, é questão de inteligência. Cada vez mais os arquitetos e administradores de condomínios se preocupam com a questão. Garantir que os jovens moradores tenham condições de se divertir em paz, sem trocadilho, não é brincadeira. E sim algo muito sério.
VERTICAL
É como confirma a comerciante Cristiane Valéria de Castro Terciotti, síndica há quatro anos do edifício Portal dos Frades, condomínio vertical localizado no Centro de Piracicaba. Assim que assumiu, ela encarou a questão da área de lazer para a criançada como uma de suas prioridades. E por um bom (e sério) motivo. ´´Antigamente os brinquedos do parquinho eram todos de madeira e já estavam instalados há um bom tempo, creio que uns 20 anos´´, lembra.
O resultado: brinquedos velhos e, pior, perigosos. Isso porque as lascas de madeira começavam a se soltar e podiam causar machucados. ´´Eu mesma não deixava meu filho brincar por risco dele se machucar e ganhar uma infecção´´, lembra Cristiane. Àquela época apenas moradora, ela conta que havia no condomínio essa preocupação e, por isso, o parquinho passou a ser cada vez menos utilizado.
Hoje, o local está totalmente diferente. O Portal dos Frades conta com uma área de lazer localizada num espaço que, embora pequeno (é sextavado e com pouco mais de 30 metros quadrados), renovou a convivência no condomínio. ´´Agora é tudo diferente, são brinquedos de plástico seguros porque passamos por uma inspeção, que se renova. Tudo foi feito com cuidado´´, explica a síndica.
A melhor parte, porém, foi a decisão de colocar, no mesmo lugar, bancos de madeira bem mais confortáveis e ergonômicos. ´´Sabe o que aconteceu? Os idosos do nosso prédio passaram a frequentar bem mais. Isso acabou criando uma convivência muito legal´´, detalha. A nova área de lazer, conta Cristiane, é mais aproveitada por crianças de cinco a oito anos, mas não é rara a presença de adolescentes.
Outra interferência positiva, segundo a síndica, foi a reforma do jardim, que está renovado. Junto com a piscina do prédio, atrai mais os pais. E com isso o espaço acaba sendo um encontro de gerações. ´´Eu penso que síndico tem de se preocupar, sim, com isso. É qualidade de vida´´, conta Cristiane.
Filho da síndica, Gabriel da Costa, de 13 anos, conta que aproveitou bem o tempo da área de lazer quando era menor. ´´Eu ia bastante, peguei até a fase dos brinquedos de madeira. Mas agora vou menos, aproveito mais a piscina, e costumo ir no final da tarde. Mas sempre tem criança no lugar, que é bem legal.´´
HORIZONTAL
É também o que pensa o professor e gestor de qualidade José Marcelo Barbosa Palma, síndico do condomínio horizontal Terras do Sinhô 1, que fica no bairro Noiva da Colina (em frente ao Hospital Unimed). Cuidar da parte de lazer para os filhos de moradores, segundo ele, tem sido uma prioridade e um desafio, ao qual se dedicou com o mesmo empenho com que procura a qualidade em seu exercício profissional.
´´Quando eu assumi como síndico, logo procurei dar um enfoque maior a essa questão. Temos um lado positivo de que nosso condomínio é amplo, com uma área privilegiada, o que facilita bastante. Mas para isso é preciso uma série de responsabilidades e cuidados´´, explica Palma. Ele se refere a cuidados técnicos e de estrutura, que podem dar, no mínimo, dores de cabeça (quando não problemas maiores) para os síndicos, responsáveis por qualquer acidente que venha a acontecer. ´´Quando você quer montar um playground num condomínio, tem de seguir a rígida determinação da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Em casos de parquinhos, existe a norma 16.071, que estabelece uma série de cuidados. E, em caso de algum problema, tudo recai sobre o condomínio e, por consequência, no síndico, que é o representante legal´´, explica.
Por isso, ele revela que alguns síndicos têm preferido evitar os playgrounds, menos por falta de vontade e mais por cautela. Foi o que ele fez no condomínio que administra, e que conta com uma grande área de lazer. Mas não dispõe de parquinho. ´´Achei que era mais interessante contar com um espaço que estimulasse mais as crianças, e com menor possibilidade de perigo´´, conta.
Se deu certo? Ele garante que sim, tanto que a maioria das crianças do condomínio, que tem 76 lotes, a começar pelos seus dois filhos (Amanda, de nove anos, e Gustavo, de três), pouco fica em casa nos períodos livres. Palma diz que eles são mais soltos. ´´Estão podendo resgatar o que vivi no meu tempo de infância, quando ainda morava em Espírito Santo do Pinhal´´, lembra.
Era a época em que as crianças viviam soltas na rua e as mães nem se preocupavam. Embora exista hoje, sim, uma grande diferença – os pais se preocupam e a segurança na entrada tem de ser reforçada -, no espaço interno os pequenos resgatam brincadeiras como pega-pega e esconde-esconde. O síndico conta que é cada vez mais comum que os amigos das crianças, que não moram no condomínio, vão até lá e descubram uma nova realidade. ´´Eles se sentem mais livres´´, define.
A fisioterapeuta Dréa Teixeira Mendes Ono, mãe de Clara e Pedro, está há quatro anos e meio morando no Terras do Sinhô 1 e garante que foi a melhor das decisões. ´´Aqui não é muito grande, então as famílias se conhecem e as crianças também. Fica com um jeito antigo e isso é muito bom para os nossos filhos´´, define.
Além de gostar de ver que muitas brincadeiras antigas foram redescobertas, Dréa fica feliz em ver os filhos envolvidos em atividades como fazer doces em grupo. ´´E outro
dia soube que eles brincam de ´mãe da rua´, fiquei até emocionada! Para mim, aqui só tem vantagem. E essa interação entre as crianças é um dos principais aspectos positivos´´,conclui.
CRIANÇAS
´´O mais legal daqui é a companhia dos amigos, a gente formou uma turma muito legal. Eu gosto de andar de skate, fazer trilha, brincar de pega-pega e de tchau´´, conta Amanda, a filha do síndico do Terras do Sinhô 1. Tchau, na nova nomenclatura da turma, é como se chama o esconde-esconde. Quando se diz ‘tchau, fulano!’, é porque ele foi descoberto.
´´Aqui a gente pode brincar de tudo, e o pessoal é muito legal. Quando eu morava em casa, só dava para brincar na garagem´´, diz a vizinha Clara Ono, de 12 anos. Pedro Ono, de seis anos, irmão de Clara, gosta mesmo de brincar de zumbi. “No começo tem um zumbi só. Mas ele vai perseguindo os outros e, quando pega, deixa o outro zumbi. Aí, quem sobra, tem de correr de um monte de zumbi!´´, conta, explicando a mistura de pega-pega com filme de terror.
Brincar é coisa séria
Para a professora da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba) Ida Carneiro Martins, do Núcleo de Práticas Educativas e Processos de Integração, o modo de brincar mudou, assim como a vida fi cou diferente. ´´A infância está relacionada ao tempo histórico. De fato, na atualidade os pequenos perderam o direito à rua, à praça, à cidade... A violência, a preocupação exagerada com o futuro das crianças, o modelo de trabalho dos pais, tudo contribuiu para o confi namento da infância, criando relações diferenciadas com o brincar´´, afirma.
Apesar disso, Ida defi ne como ‘exagerada’ a visão de que hoje as crianças, especialmente as que moram em condomínio, não sabem mais o que é brincar em liberdade. E deixa algumas
indagações a serem respondidas pelos pais. ´´Elas têm espaço para brincar? Estamos ensinando novas brincadeiras? Ainda mais, sabemos que os brinquedos eletrônicos fazem parte do cotidiano da criança na atualidade.E isso requer outras indagações. Os jogos são adequados para a faixa etária das crianças? Elas estão dedicando tempo demais a essas brincadeiras ou há um equilíbrio com outras atividades importantes ao desenvolvimento infantil?´´
Ida destaca que a resposta dos pais é fundamental, já que o ato de brincar defi ne o desenvolvimento da criança em vários aspectos: motores, sociais, afetivos, cognitivos e culturais. ´´Brincando, a criança pode explorar a sua potencialidade, realizar acordos com os companheiros, reconhecer as diferenças, movimentar-se de diferentes modos, aprender novas formas de brincar. Claro que na brincadeira também se aprende a blefar ou a dissimular para que se possa ganhar o jogo. Mas, em geral, o exercício do brincar coletivo é promissor no processo de auto-organização infantil´´, conclui.
Lembre-se dos limites
Outra dica para os pais que moram em condomínios é cuidar para que a alegria dos filhos não cause aborrecimento aos vizinhos.
Em tempos de gente estressada, atenção a este detalhe é fundamental. É o que relata o especialista em condomínios Marcos Melo, do portal Administrador, que deixa sugestões preciosas, mais indicadas aos condomínios verticais.
1 – Horário - Todo condomínio tem uma faixa e ela deve ser respeitada. ´´O fato de serem criadas em condomínios faz com que as crianças queiram brincar em qualquer lugar e a qualquer hora. Mas os pais precisam de certos cuidados para que isso não gere conflitos com outros moradores, principalmente aqueles que não têm filhos. Nessa hora é necessário sabedoria para agir, pois as crianças podem se tornar um incômodo para outros condôminos´´.
2 – Reclamação - Ficou bravo com o barulho da criançada? Não toque direto o interfone do vizinho. ´´O morador incomodado deve pedir ao porteiro ou ao zelador que ligue para a unidade que está incomodando e solicite silêncio. Para solucionar o impasse, é preciso vencer o constrangimento e demonstrar as regras que precisam ser cumpridas´´. Mas vale lembrar: reclamação só se não estiver dentro do horário estabelecido pelo condomínio, que normalmente fica entre 9h e 20h.
3 – Mini-síndico - É importante. Trata-se de uma espécie de ‘embaixador infantil’. ´´A escolha de um pequeno líder pode ser divertida para as crianças, que criam uma eleição com campanha e votos´´.
4 – Vigilância - Pais e mães devem estar sempre de olho. ´´Devem criar limites, estabelecendo o horário de brincar dentro do apartamento. Uma solução pode ser buscar elementos decorativos que reduzem barulho e atrito, como tapetes emborrachados´´.
5 – Alternativas - É dever dos condomínios, diz o especialista, buscar formas de ampliar o espaço dos pequenos. ´´Usar o salão de festas durante a semana para desenvolver atividades diversas, jogos ou oficinas lideradas. Quando há espaço sobrando, uma dica pode ser criar uma biblioteca ou uma brinquedoteca´´.
6 – Companhia - Não deixe seu filho andar sozinho. Isso não é paranoia. ´´Crianças de até dez anos podem sofrer acidentes na escada, no elevador, na parte elétrica. E os pais não podem deixá-las a cuidado dos funcionários, que têm outras coisas a fazer´´.
7 – Disciplina - Síndicos e funcionários podem pedir educadamente que a criança se comporte na área comum. ´´Porém, se não obedecerem, o melhor a fazer é chamar um adulto da família ou os pais´´.
8 – Lugar de criança - Não é na portaria, nem na guarita, segundo Melo. “Esses locais exigem atenção do porteiro e do segurança. Um porteiro não pode abandonar as suas funções para procurar uma criança´´.
9 – Porteiro não é babá - ´´Funcionários terceirizados e treinados já são orientados que não devem cuidar de crianças do condomínio, ´nem por cinco minutinhos´. Eles zelam pela segurança´´.
10 – Pai, aja hoje para evitar aborrecimento depois - ´´Todo cuidado é pouco na hora de orientar os filhos nas ações dentro do condomínio, pois os pais são responsáveis pelas crianças e irão responder pelas ações´´.
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