Face-me

 

Seguinte: hoje o papo é sério. Tolere-me, por favor...

 

Empresto para este FACE-ME, o título mais que atual do (livro do) Garcia Marquez, só que com um pequeno trocadilho: em vez dO cólera (a doença), A cólera - o sentimento de intolerância, de fúria, de agressividade que nos assola.

 

Já reparou como anda difícil discordar pacificamente ou aceitar opiniões, atitudes, crenças e o modo de ser das outras pessoas?

 

Lógico, existe a intolerância bem-vinda, filha da revolta, da situação-limite diante de uma situação desigual e de prejuízo, como foram as manifestações de 2013 e os atos contra a corrupção política dos últimos meses.

 

Há, por outro lado, a intolerância movida pelo preconceito, expressa pelo racismo, sexismo, homofobia, etaísmo (discriminação por idade), intolerância religiosa e política, que a meu ver é nociva, pois rejeita e nega o intolerado, geralmente minorias.

 

No entanto, vejo outro tipo de intolerância, ainda mais perversa: a intolerância íntima. Aquela que extrapola o social, o político e o econômico; invade nossa vida, nossa casa, nossa intimidade. Aquela que denuncia a forma como educamos nossos filhos e tratamos nossos animais; que nos difama da pior forma possível nas mídias sociais; agride-nos em forma de bullying; taxa-nos rótulos; julga-nos e nos condena, antes mesmo de podermos nos defender... não compreende.

 

Ora, se ´eu´ não tolero - penso – provavelmente estou cheio, estou farto, estou no limite. Não suporto mais. Não suporto o quê? O outro? Eu mesmo? As coisas que não controlo? Coisas naturais ou criadas/impostas?

 

Questiono-me:

- Estaríamos assoberbados de tarefas (casa, filhos, emprego) que nos impedem de vislumbrar um sentido para o que fazemos? Um sentido de vida?

- Estaríamos esgotados física e mentalmente de nossas rotinas, por demais massacrantes e exigentes?

- Em épocas de imediatismo e consumismo, teríamos nos esquecido de usar o pensamento como amortecedor de ações precipitadas? Perdido o critério? As referências?

- Estaríamos incapazes de admitir nossa impotência perante fatos que não controlamos? Melhor, estaríamos negando o fato de que não temos poder sobre várias esferas, como a vida dos outros, por justamente não termos sobre a nossa?

- Despejaríamos nossa raiva, medo ou repulsa naquele que, de algum modo, nos incomoda e revela um lado que não queremos de fato enxergar?

- Negaríamos em nós mesmos nossa porção de agressividade, oprimida e incompreendida?

- Desde quando passamos a nos odiar? A nos estranhar?

 

Eu te pergunto, porque sinto que é aí que a gente se perde; em nossas emoções mais primitivas. Rejeitamos, com toda a força, sentimentos essenciais. Tornamo-nos estranhos de nós mesmos... Bloqueamos nossa capacidade de compreensão, passo primeiro em busca da tolerância.

 

Lembra-te: a raiva é filha do medo e mãe da ansiedade.

Você tem medo do quê?

Um beijo. Fica bem. A gente se cruza por aí.