Fazemos acontecer

A difícil arte de ser simples

Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | 20ª Edição | Maio | 2015
Foto: Guilherme Miranda

 Por Ronaldo Victoria

 
Em seu escritório na cidade, o designer piracicabano Eduardo Bortolai, de 36 anos, guarda várias peças que criou ao longo de uma carreira de sucesso de mais de 10 anos. São peças variadas, poltronas, cadeiras, todas elegantes e clássicas.
 
Mas chama atenção um banquinho pequeno, que tem um detalhe importante: dois pingentes, como aqueles de ônibus, que ficam na parte traseira. Isso evita que você vá se curvando e mantenha a postura.
 
O nome da peça, dado por Bortolai: Simples. Simples assim. Formado pela Escola de Belas Artes, em São Paulo, ele passou por sete anos de intensa atividade como designer da Tok & Stok, referência na área de móveis. Ganhou vários prêmios e recentemente expôs peças na Feira Mundial de Design em Milão, na Itália. Com a sua experiência, Bortolai afirma que o brasileiro é informado em matéria de móveis, mas ainda fica preso demais às tendências e com a vontade de parecer elegante.
 
Revista Tutti - Você sempre teve atração por móvel?
Eduardo Bortolai - Nem sempre. A maioria que entra na faculdade não vai direto para móvel.
 
Por quê? É uma especialidade que fica em segundo plano?
Não, ao contrário. É uma das principais áreas do design. Mas quando você entra na faculdade há outros focos. Vai desenhar carro. Acho que as pessoas buscam algo mais tecnológico. Você quer inovar.
 
Natural, você entra na faculdade de medicina tentando descobrir a cura de alguma doença...
Exatamente! Aí, conforme passa a faculdade, você vai entendendo o quanto o design pode ir longe. E foi na faculdade que descobri meu interesse por móvel.
 
Quando você descobriu que era sua vocação?
Eu tinha, na faculdade, um professor que era desses bem verdadeiros. Sabe aqueles que acabam com a gente falando a verdade? Ele falava que a gente ia desenhar o retrovisor do carro e ninguém ia saber. Teve um, o diretor de design da Tok & Stok, o Edi, um cara fantástico. Ele entrou na classe, tinha 60 alunos, e disse: ‘Só cinco vão ser designers, sendo que dois serão bons e apenas um vai se destacar’.
 
Mas parece que quem se destacou foi você, não?
Tem outros se destacando. Mas acho que me destaquei porque gostei da minha carreira. Desde muito criança ficava desenhando,
estimulando a criatividade.
 
Você era aquela criança que ficava o tempo todo desenhando?
Desenhando, montando quebra-cabeça, lego... Com cinco anos, fui fazer aula com o (artista plástico) Joji Kossunoki. Fiquei com ele minha infância e minha adolescência inteiras. Com o Joji, a gente não só pinta, mas trabalha com sucata. É criatividade o tempo todo. Eu sempre fui mais de ficar quieto no meu canto, desenhando.
 
Então você sempre soube o que iria ser?
Outro dia, minha mãe me contou que uma professora minha do ensino fundamental a chamou para mostrar um desenho que eu havia feito. Já tinha perspectiva! Aí, na faculdade, tudo mudou quando começaram as aulas de movelaria. Elas me abriram um mundo de possibilidades. Eu consigo facilmente trabalhar com vários públicos e consigo me especializar. No design de móveis, eu consigo criar uma linguagem dentro de um mesmo tipo de produto.
 
Você se encontrou cedo na profissão?
Eu queria ser designer de móveis e trabalhar na Tok & Stok. Eram esses meus objetivos. A Tok & Stok é uma referência importante. Como queria isso, fui atrás. Aí tentei ser estagiário na Tok & Stok e não deu certo.
 
Por quê?
Foi uma coisa traumática. Falei com o gerente de design. Mas, como o estágio era para seis meses, eu não poderia ficar porque faltavam quatro meses para eu terminar a faculdade. Mas não perdi o contato. Me formei e fui trabalhar num escritório de design que faz celular, máquina de lavar, geladeira. Passou um ano, a Tok & Stok me ligou.
 
Foram quantos anos de Tok & Stok?
Sete anos. Foi uma delícia. Nossa, eu fiz tanta coisa! Cada designer tinha uma equipe. Cada um desenha seu grupo. Um faz cadeira, outro sofá. Eu entrei na linha de escritório. Só que saiu muita gente, ficamos eu e mais uma menina. Então, desenhei tudo! Fiz trabalho de quase todo mundo.
 
Deve ter sido um enriquecimento muito grande.
Fantástico! Aprendi muita coisa. 
 
Como é o trabalho? O fabricante dá umas coordenadas do tipo de móvel que está pensando?
Sim, porque é uma loja e tem que ter um conceito ali dentro. Há 12 tendências na Tok & Stok e a gente participava disso. A equipe de design ajuda a desenvolver essas tendências. A gente pesquisa as cores, as necessidades que o mercado vai ter. Toda semana tem uma reunião com a presidência para discutir o que está acontecendo.
 
Designer não tem muito sossego, né? Tem de estar o tempo todo pesquisando... 
E se informando! Tem dias que eu brinco: queria fechar o olho e não enxergar nada hoje! Às vezes, você vê errado e passa uma imagem errada. Mas eu fico o tempo todo observando tudo. Parece absurdo, mas é assim. Toda profissão tem um pouco isso.
 
Você vai à casa dos outros e fica reparando os móveis?
Reparo. Mas tem algumas coisas que as pessoas acham cafona e eu adoro!
 
Na área de móvel, o que é cafona?
Então, boa pergunta! Não tem como definir.
 
Você não acha que brega é aquele móvel que a pessoa compra só porque acha que é chique?
Exatamente! As pessoas estão presas a uma coisa que são as tendências. Fiquei com preguiça de tendência. Então, leem qual é a cor que está dominando. Mas a primeira coisa é a seguinte: de que cor você gosta?
 
A casa tem de ter a cara da gente!
E depois tem outra: as tendências estão durando cinco anos hoje em dia. Então, se hoje a tendência é roxo, daqui a cinco anos você não vai aguentar mais ter tudo roxo.
 
De qualquer maneira, você gosta mais de móveis contemporâneos, não?
Sim. Mas tenho também móveis vintage, pois tem a informação que aquele móvel te dá. Móvel tem toda uma história.
 
O que representa os ambientes dentro de uma casa? Existem regras, é melhor ser clean ou com muita informação?
Hoje as tendências se multiplicaram. Você não tem um estilo de casa. Tem um arquiteto ultra clean, que vai fazer um ambiente aberto, com um sofá e duas poltronas. E tem aquele que vai colocando móvel. Eu sou um que gosta de informação. Gosto disso. Eu pego informações nacionais, regionais, e transformo numa cara contemporânea. Pegar aquela cara rústica e trazer para o atual.
 
O brasileiro gosta de móvel. E tem bom gosto?
Tem diferença entre bonito e de bom gosto. O brasileiro se preocupa muito com as tendências. Ele se preocupa demais em saber qual cor está se usando.
 
E se eu te perguntar: qual cor está usando?
Boa pergunta! Tem marsala, que é um vermelho queimado, apontada como a cor deste ano. Mas não pode ficar preso demais. Fico imaginando a pessoa trocando os móveis todo ano. Não dá, gente! Que cor você quer?
 
Voltando à Tok & Stok, lá você não fez apenas design de móveis, não?
Fiz muitas coisas, como Casa Cor, produção de fotos para catálogo. Aí parti para produção de ambientes. Fiz vários espaços da Tok & Stok para mostras. Tenho o prêmio Tok & Stok de design. E cada ano existe uma necessidade de surpreender. Cada ano tem um tema diferente.
 
Você vai sempre a Milão. É a maior referência mundial em design?
Ainda é, e vai ser difícil de tirar. Porque existe o glamour de Milão. Existem feiras incríveis no mundo inteiro. Mas Milão tem um know how fantástico em fazer evento. A Itália é uma referência em design. Fui no final de abril para a Semana de Design e estava expondo. E acontece a Feira de Design, fechada, num lugar gigante. Fiz uma exposição dentro da feira, com três peças, e uma fora da Feira.
 
Sente desejo de sair?
Não tenho necessidade, na verdade.
 
Tem há quanto tempo o escritório em Piracicaba?
Quatro anos. Eu saí da Tok & Stok. Gosto de São Paulo, mas começou a me sufocar. Daí voltei para Piracicaba. Chamei minha irmã Cristiana para trabalhar junto. Como designer, eu não preciso ficar em São Paulo. A gente desenha os móveis, faz o design para uma fábrica ou uma loja. Não pegamos o cliente final. Não trabalho com casa. Os meus clientes são os fabricantes de móveis e os lojistas. A fábrica que contrata a gente distribui para os lojistas. Faço o desenho e mando. Quanto ao desenvolvimento do produto, é bom ir até a fabrica para estar junto se for preciso arrumar.
 
O trabalho de designer não é solitário?
Não! A gente tem de conversar muito para saber do seu conforto, o que você quer, qual é a sua visão. Eu preciso entender o mercado, o que está rolando ao meu redor. Por mais que eu esteja envolvido com o meu desenho, tenho de entender que ele está inserido num mercado.
 
E com o retorno a Piracicaba, o que mudou na sua vida?
Muita coisa! A pele. O humor. Eu estava muito estressado. Mas eu não era bravo, eu era pilhado. Aqui é meu chão, nasci aqui.

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