Fazemos acontecer

Meu pai, meu filho

Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | 21ª Edição | Agosto | 2015
Foto: Guilherme Miranda

Por Ronaldo Victoria

 
A passagem do tempo transforma a relação entre pais e filhos. A inversão dos papéis é quase inevitável
 
O tempo passa, a relação entre os pais e filhos muda. Os sinais costumam ficar invertidos. O filho é quem passa a se preocupar com o pai. Quer saber se ele comeu direito, se tomou o remédio na hora certa, se precisa de alguma coisa. Essa troca, além de ser considerada natural, quase nunca é vista de forma negativa.
 
Ao contrário, mostra uma retribuição às atenções recebidas no passado. A Revista Tutti entrevistou três filhas carinhosas para lembrar o Dia dos Pais. Sandra é uma ‘mãezona’ assumida, Joseane é cuidadosa com limites e Vera conta que tem um pai ‘rebelde’. Sim, eles são diferentes. E quem disse que na maturidade a gente fica igual?
 
A engenheira química Sandra Alves Correia, 58, não foge do rótulo: hoje ela é ‘mãe’ de seu pai. “Eu sou mesmo, às vezes até exagero no carinho”, conta ela, na sala do apartamento
em que mora com o pai, o corretor de imóveis aposentado Antonio da Silva Correa, 84. Ele não reclama da atenção.
 
Embora não more com o pai, o ferroviário aposentado Décio Pires, 85, a publicitária Joseane Leo Pires, 52, precisa reservar um espaço na agenda para dar atenção a ele. “Não consigo ir sempre ao apartamento em que ele mora com minha mãe Helena. Mas ligo todos os dias e sempre procuro saber como está, se comeu bem, se tomou o remédio”, conta.
 
Já a agente de viagens Maria Vera Pierami Soares de Souza, 62, tem um pai, o professor aposentado Rubens Pierami, 84, que é a independência em pessoa. “Ele é muito ativo, faz tudo sozinho, mora sozinho, e não depende da gente”, conta. Porém, há momentos em que ela se preocupa com a falta de notícias.
 
VONTADE DE CUIDAR
Sandra conta que fica feliz em se dedicar ao pai. Depois que a mãe morreu, em maio deste ano, a ligação entre eles ficou ainda mais forte. “Eu optei por não me casar para cuidar de meus pais. Tive meus namoros, mas acabou não acontecendo e acho melhor assim. Hoje me sinto bem”, garante.
 
Ela se dá bem com o pai, embora reconheça que os dois têm, ou tinham, gênio forte. “Com o tempo isso foi abrandando. Não sou só eu que o chamo de filho, ele diz que eu sou a mãe dele. Brinca dizendo que graças a ele eu estou aprendendo como é cuidar de um idoso”, revela. Para essa tarefa, ela conta com a ajuda da cuidadora Adriana, que fica no apartamento enquanto ela trabalha como gerente de uma fábrica em Tupi.
 
A filha tem sempre cuidados especiais, como monitorar a comida – “sabemos que idoso come menos e, às vezes, até se esquece de comer” – e de fazer passeios com Antonio. “A gente sai todas as noites, depois que eu chego, nem que seja pra ir até a padaria da esquina. E costumamos viajar juntos. Neste fim de ano vamos fazer um cruzeiro até Salvador”,
diz Sandra.
 
O baiano de Rio de Contas (cidade da Chapada Diamantina) Antonio com certeza vai gostar de rever o Estado natal. Ele saiu de lá cedo e morou por 64 anos em São Paulo.
Está há um ano e meio em Piracicaba. Ele curte as saídas e viagens porque durante o horário comercial quase não sai de casa. Já levou um tombo e se machucou. Por isso, a insegurança de andar nas ruas, e queda em espaços abertos é um dos maiores problemas dessa faixa etária. Em casa, ele acorda cedo, assiste à televisão, faz palavras cruzadas e joga paciência no computador. A falta de atividade física é compensada com os excelentes resultados de seus exames. “Meu médico diz que desse jeito eu chego aos 100 anos”, comemora.
 
Desse jeito, ele brinca, vai dar muito trabalho para Sandra. “Não sei por que ela gosta tanto de um chato como eu!”, brinca. Tudo bem, ela sabe.
 
PEGAR NO PÉ
Joseane também reconhece que tem essa preocupação quase materna com o pai. “É natural, a gente quer cuidar”, assume. Décio diz que ela ‘pega no pé’, mas sem reclamar, de um jeito divertido. “Até da minha roupa ela toma conta! Ela fala que não quer me ver de roupa velha, dá embora e compra novas. E fica controlando as minhas comidas. Não me deixa comer fritura, e eu adoro batata frita! Carne de porco, então, ela diz que é um veneno. Nem posso mais comer torresmo!”, conta.
 
Porém, Joseane diz que os cuidados são necessários, já que o pai teve diagnosticado um câncer na próstata, mas, por conta da idade, não pode ser submetido à quimioterapia. “Eu tenho de acompanhar esse tratamento e tenho de ver os exames de sangue”, afirma. “Eu sei que eles não gostam que a gente se meta, mas tem uma hora que precisa saber de tudo o que acontece”, justifica a publicitária.
 
Décio e a esposa moram sozinhos num apartamento no Bairro Alto, com um cotidiano independente. Não cozinham em casa. A alimentação, então, fica um pouco fora de controle. “Eles também não querem saber de diarista, dizem que eles mesmos fazem o serviço da casa. Eu entendo essa vontade deles, e não quero atrapalhar essa independência”, destaca Joseane.
 
Hoje, a vida de Décio segue uma rotina. Além de gostar de passear com Joseane – “ele gosta muito de ir ao shopping e almoçar numa churrascaria” – é figura carimbada no Pão de Açúcar, que fica a uma quadra de seu apartamento. Lá é reconhecido por todas as moças do caixa e e pelas balconistas quando vai comprar pão de manhã. Acorda entre 9h e 10h, faz o café, enquanto a esposa está dormindo. Assiste à televisão todos os dias, mas não gosta de novela, prefere ver os jogos do seu São Paulo. Tem resistência e lembra o susto que teve há 40 anos, quando sofreu um acidente de carro, perdeu todos os dentes e ficou um mês na UTI. “Eu fiquei com sequela. Me lembro de tudo que aconteceu há muito tempo”, conta o ferroviário aposentado, que sempre viveu em Matão e Araraquara, mas está há dez anos em Piracicaba, onde moram os filhos.
 
MATURIDADE INDEPENDENTE
Rubens Pierami não sabe o que é dependência. “Às vezes, parece que sou distante, que não dou satisfação, mas quando estou, estou dentro”, afirma. Ele mora sozinho, na mesma casa da Vila Independência em que viveu com a esposa, a professora Doris, falecida há dez anos. Acorda às 6h, faz muita caminhada (no mínimo cinco quilômetros por dia), e por isso vendeu o carro.
 
A hora do dia em que se encontram é a do almoço, em que pai e filha colocam os assuntos em dia. “Temos uma relação franca, nos entendemos muito bem, mas é claro que de vez em quando brigamos, ou nem isso. Só alguns pontos de vista é que, às vezes, são diferentes”, conta Vera, que mora com o marido, a filha e duas netas no Nova América. “Eu gosto de almoçar com ela todos os dias, é nosso momento juntos. Tem horas que a gente precisa desabafar. Às vezes, eu tenho umas ideias confusas, a sorte é que duram pouco. Costumo dizer que eu brigo mais comigo mesmo do que com os outros. Depois ela me leva para casa e vai trabalhar”, diz Rubens. O professor aposentado gosta de sair, viaja bastante – o outro filho, Rubens, mora na Flórida (EUA), e ele costuma visitá-lo. Tem orgulho de revelar que só não acompanhou o nascimento de um dos oito bisnetos. Na última semana de junho, foi para São Paulo, testemunhar o nascimento de mais um membro da família.
 
Vera, claro, ficou preocupada com a demora. “Eu fico nervosa se não consigo falar com ele. Outro dia, ele resolveu ir com um casal amigo para Águas de São Pedro e nem avisou. Eu fiquei com o coração na mão. Ele comprou um celular, mas não adianta porque quase nunca atende”, afirma. Ele acha graça ao ver que tem fama de ‘rebelde’. Mas, Vera livra a barra do pai, a quem classifica de uma pessoa ‘prestativa ao extremo’. “Ele está sempre pronto a colaborar, não só comigo, mas com as netas e as bisnetas. Está sempre disposto e acho que isso é um exemplo para todos nós.”

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