Filósofo das multidões
Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | 25ª Edição | Maio | 2016
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Foto: Nana Higa
Por Cristiane Bonin
Ele colocou a filosofia no dia a dia dos brasileiros. Carismático, Cortella provoca reflexões bem-humoradas sobre temas diversos, de liderança empresarial à família. Autor de quase 30 livros – os dois últimos, Felicidade Foi-se Embora (Editora Vozes), com Frei Beto e Leonardo Boff, lançado em fevereiro, e Por que Fazemos o que Fazemos? (Editora Planeta), programado para agosto próximo. Com aproximadamente 60 palestras ao mês, entre os meios acadêmico e corporativo, Cortella é professor-titular da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e professorconvidado da Fundação Dom Cabral. Ele também foi assessor especial e chefe de gabinete do professor Paulo Freire, então secretário municipal de Educação de São Paulo, no governo Luíza Erundina, a quem sucedeu na Pasta. À Revista Tutti, Cortella concedeu entrevista exclusiva em que fala de crise, educação, filhos e ‘pecados’ do mundo.
Revista Tutti - O professor e o filósofo são pouco reconhecidos no Brasil, mas o senhor é a figura que apresentou o país à filosofia e também é o típico professor que entretém e diverte a aula, ou a palestra, sempre envolvendo a todos no seu discurso. O bom-humor é a chave disso tudo?
Mario Sergio Cortella - O humor é um dos caminhos, isso porque a alegria conecta as pessoas. É claro que o humor sozinho é insuficiente. Precisa ser um humor com conteúdo e eu não posso, de maneira alguma, confundir seriedade com tristeza. O contrário de seriedade não é alegria. O contrário de seriedade é descompromisso. Por isso, uma pessoa séria não é triste. O humor, em grande medida, faz com que as pessoas fiquem mais animadas e atentas. Pode ser que um dos caminhos que crie simpatia seja exatamente este.
Na condição de filósofo, que interpretação o senhor faz deste momento econômico e político pelo qual passa o Brasil, em que a pauta da vez é a chamada ‘crise’?
Nós não podemos esquecer que a crise é um elemento contínuo no nosso cotidiano. Essa crise que hoje vivemos é diferente das anteriores, mais densas, porque ela agrega uma perturbação econômica com uma turbulência política. Mas ela é assemelhada, em grande medida, no campo da economia, àquilo que vivemos no início de 1970, com a crise do petróleo, no início dos anos de 1980 e 1990, quando havia uma inflação altíssima, ausência de emprego. Portanto, talvez, não precise nem da filosofia, vale a sabedoria das nossas avós quando diziam que ‘não há mal que sempre dure e nem bem que nunca se acabe’.
O senhor trabalhou com ninguém menos que Paulo Freire, o patrono da educação brasileira. O senhor acredita que, se ele estivesse entre nós, estaria feliz com o atual estágio da educação no país?
Não, de maneira nenhuma, porque ninguém pode ficar feliz com algo que é turbulento, mas também ele não ficaria desanimado. Uma das qualidades de Paulo Freire era aquela que um dia o professor Paulo Vanzolini colocou numa música: ‘levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!’ Portanto, de maneira alguma Paulo Freire teria a possibilidade de perder ânimo em relação a isso. E Paulo Freire tinha essa capacidade bastante grande de achar que se nós nos desenvolvêssemos sempre haveria alternativa.
Educação e escolarização: como uma se relaciona com a outra?
A escolarização é parte da educação em geral. Não se pode confundir a escolarização, que é um pedaço da educação, da formação de pessoas, com a educação no sentido mais amplo. A escolarização é feita de maneira deliberada e intencional, provocada dentro da escola, e está ligada à atividade de ensino com a formação como um dos seus componentes, mas o essencial ali é o ensino. Enquanto que a educação, de maneira geral, está em todas as outras instituições sociais, prioritariamente na família.
Em quê os pais de hoje acabam errando muito na educação de seus filhos?
Quando se esquecem que na formação de pessoas, o adulto tem responsabilidade e não pode deixar que a criança ou o jovem esqueça que ele é ‘subordenado’ ou subordinado a quem é responsável por ele. Neste sentido, há pais e mães que se subordinam aos seus filhos e isso faz com que haja uma inversão das responsabilidades e, portanto, algo extremamente negativo. É preciso lembrar o conselho que os pantaneiros nos dão: ‘Não se dê asas a cobras! Elas já são perigosas sozinhas.’
Instituições brasileiras de ensino superior andam preocupadas com o elevado nível de imaturidade com que os alunos estão chegando à graduação. O que está acontecendo na sua avaliação?
Em grande medida há uma infantilização por parte de alguns jovens, aqueles que chegam ao ensino superior e em algumas famílias que os deixam infantilizados por mais tempo. Isto é, são tratados como se fossem adolescentes até por volta dos 25 e 30 anos. Isso tem um impacto e não basta à escola constatar e reclamar desse comportamento. É preciso tomar uma providência. Portanto, o jovem precisa receber da universidade atividades que aumentem a sua responsabilidade com exigências, prazos e datas absolutamente requisitados e fazer com que ele entenda que é preciso assumir as rédeas do que ele tem que fazer. Isso se faz na prática e não com conselho apenas.
RÁPIDAS
O que não falta a um bom professor?
Humildade pedagógica. Saber que só é um bom ‘ensinante’ quem for um bom ‘aprendente’.
Uma leitura indispensável, nos dias de hoje, é...
Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire.
E o importante da vida é...
Saber partilhar. A vida é feita de partilha e não de posse.
Um líder é bom em...
Alegria e, ao mesmo tempo, decisão. Isto é: a capacidade de fazer de maneira feliz.
Uma pessoa ética não aceita...
Nenhum tipo de indecência.
Se lhe fosse concedido um desejo, qual seria?
Continuar tendo os meus desejos atendidos.
O maior pecado do homem foi? Ou será?
Arrogância antropocêntrica, que é autofágica e vai nos levar à destruição.
Qual é a sua obra?
Ajudar a cuidar do futuro.
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