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Tatuagem: você ainda vai ter a sua

Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | 26ª Edição | Agosto | 2016
Foto: Guilherme Miranda

Por Cristiane Bonin

 
Cada vez mais em alta, tatuagens ganham status de ícone do mundo fashion
 
A arte de tatuar saiu da marginalidade para ganhar o mundo fashion entre o fim do século passado e início deste. A conquista do status pop tem três pilares: mídia, legislação e estruturação dos estúdios. Artistas nacionais e internacionais, programas de TV e cinema e peças publicitárias transformaram a tatuagem num componente do lifestyle.
 
Uma resolução de 2008, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ditou regras para registro de produtos, de agulhas a tintas, utilizados nos procedimentos de pigmentação artificial e publicou documento orientando Estados e municípios a regulamentar a profissão, conferindo segurança legal ao consumidor e parâmetros de atuação para o tatuador. O Estado de São Paulo se antecipou à Anvisa e proibiu, em 1997, tatuagem, piercing, alargadores e quaisquer ornamentos em menores de 18 anos com base no Estatuto da Criança e do Adolescente.
 
Assim, obrigados a ter alvará da Vigilância Sanitária, os estúdios evoluíram, de maneira geral, de uma sala de fundo de quintal a um ambiente cool: hoje este serviço oferece, além de um ambiente ideal, outros atrativos como uma cerveja importada, boa música, boutique, barbearia, entretenimento e consumo variado, todos tendências neste segmento. Status e regulamentação também fizeram com que os tatuadores ganhassem o público feminino, uma parcela quase ausente neste universo até então. Elas chegam a ser a maioria em alguns estúdios (até 70% do público), suportam mais a dor e frequentam o tatuador mais do que os homens. Entre os desenhos mais procurados por elas estão as tattoos nas mãos, braços e coxas.
 
Denis Calarota, 40, diretor executivo na empresa Maia Film, é um adepto da arte. A maioria das suas tatuagens está relacionada à profissão: máquinas fotográficas e filmadoras. Mas nem tudo são flores (ou máquinas). Um ‘fechamento’ parcial nas costas, feito antes dos 18 anos, é hoje um arrependimento. Pai de dois filhos, Pietro, com nove anos, e Fillippo, de sete, Denis já bateu um papo com os pequenos sobre o assunto. “Pode parecer intransigência minha, mas a questão é pensar para tomar decisões certas, e a maioridade traz a melhor escolha”, diz o empresário.
Como empregador, Denis diz que nunca classificou ou julgou as habilidades profissionais de funcionários ou candidatos pela tatuagem. “Na minha área tem muita gente tatuada e nunca deixei de contratar, ou efetuei a contratação, por causa de uma tatuagem. Mas, no dia a dia, quando vamos atender diretamente ao cliente ou fazer uma cobertura social, a tatuagem mais aparente deve ter qualidade. Uma tattoo bem feita não vai receber qualquer crítica. Do contrário, vai pegar mal”.
 
VISÃO ANTROPOLÓGICA
Não é por menos que a tatuagem marca presença. “A pele é o maior órgão do nosso corpo, e aquele por intermédio do qual interagimos com o ambiente”, define Renato da Silva Queiroz, antropólogo e professor titular aposentado da USP (Universidade de São Paulo), mestre em ciências sociais, doutor e livre docente em antropologia social. A representatividade da tatuagem é mais complexa do que se pode imaginar. Silva Queiroz explica que é a cultura quem distingue nós humanos dos animais. “Um corpo intocado, não-modificado, poderia ser tomado como inteiramente natural, ou seja, bruto, animal. Para humanizá-lo e nele inscrever os atributos da cultura é imperioso alterá-lo de alguma maneira”.
 
Ele lembra que as tatuagens constituem uma prática antiga, de identidade grupal para algumas socie-dades indígenas bem como marcas de tribos na sociedade ocidental, pois constituem um fenômeno de natureza estética, de ornamento do corpo, visando aembelezá-lo e, assim, torná-lo mais atraente. “É curioso observar que antigamente apenas determinados grupos de pessoas tidas como desqualificadas portavam tatuagens, como os marinheiros, os presidiários, as prostitutas. Na atualidade, esses desenhos inscritos na pele deixaram de apresentar este traço estigmatizante. Mesmo a hipótese, segundo a qual uma pele tomada de tatuagens traduziria um desconforto ou um mal-estar relativo ao corpo original – ou seja, algo como ‘não quero viver sob essa minha pele’ -, e que, portanto, aponta para problemas psíquicos, não deve ser reduzida a uma percepção meramente psicológica ou psiquiátrica. Afinal, nós nos humanizamos e expressamos a nossa humanidade em contextos históricos culturais específicos, particulares, e é neles que a nossa condição animal adquire sentido e significado.”
 
REIS DA TATTOO
Único tatuador da cidade com o corpo ‘fechado’ por tatuagens, Thiago de Mello Fernandes, o Branco, 28, é proprietário da Branco Private Studio Tattoo & Piercing. Ele trabalha com os estilos old school, aquarela e black work. Há dez anos, Branco ‘picou’ sua primeira tatuagem. Filho de artista plástica e amante do desenho desde a adolescência, iniciou na arte de tatuar sem pretensão profissional. “Um conhecido me ensinou o básico do básico. O aprendizado veio por tentativa e erro. Nesta área, ninguém ensina, é preciso aprender conforme a vontade”, conta.
O setor tem mudado muito nos últimos cinco anos com o auxílio da mídia, que tirou a tatuagem da marginalização e a elevou a uma categoria mais elitista. A popularização também implicou em tecnologia ao procedimento, ferramentas e tintas. “A internet também trouxe mais informações e a evolução dos estúdios tem sido gigantesca nos últimos anos dentro de um conceito de arte”, comenta Branco.
 
Seu público é um mix de pesos iguais quanto ao sexo. “Os homens fazem tattoos maiores. As mulheres, menores e em maior quantidade.” A grande maioria das pessoas que vai ao estúdio de Branco é formada por jovens entre 18 e 30 anos. “Os mais velhos, com 50 anos, também estão entre os meus clientes. Eles são da época em que os pais não aprovavam a tatuagem e, agora, vêm realizar este desejo.” O tatuador executa os desenhos a partir de referências apresentadas pelo cliente ou com criação livre. O estúdio de Branco conta com ar- ondicionado, frigobar, está localizado num condomínio com estacionamento privativo. 
 
Branco Private Studio Tattoo & Piercing – rua São Francisco de Assis, 808, sala 7 - Centro - Piracicaba (SP) - (19) 98400-9105 - falecomobranco@yahoo.com.br - Facebook/Branco-Private-Studio-Tattoo-Piercing ou /thiago.fernandes - Instagram: @branco_tattoo 
 
Realismo é a ‘praia’ do tatuador Nélio Correa, 39. Ligado na arte de desenhar desde criança, Nélio iniciou sua carreira aos 24 anos na capital paulista. Tudo começou com um instrumento musical. “Eu tinha uma guitarra, mas não conseguia tocar. Com 19 anos troquei por uma tatuagem.” A mãe endossou a carreira aos 22 anos ao presenteá-lo com uma máquina de tatuagem. O primeiro estúdio foi um convite de um de seus clientes. “Fizeram a proposta de ocupar uma sala dentro de uma agência de carros”, conta.
 
Há cinco anos em Piracicaba, Nélio lançou o Tattoo Rock Bar e, atualmente, dedica-se exclusivamente à arte da tatuagem, inclusive com estúdio em São Paulo. “Não há diferença entre o público do interior e o da capital, mas o que mudou muito foi a segurança do trabalho, tanto para o tatuador quanto para o tatuado. Agora, praticamente tudo é descartável e a tinta utilizada deve ser certificada pela Anvisa”, explica. Além das tatuagens, no estúdio de Nélio, em Piracicaba, é possível fazer maquiagem definitiva e comprar trabalhos como escultura e desenho realista em giz pastel.
 
Nélio tem sido procurado por pessoas na faixa etária de 25 a 45 anos. “Antes, o que se via mais nos estúdios eram mais jovens, entre 20 e 25 anos. Não que os mais novos tenham deixado de se tatuar, o que mudou foi a aceitação social da tatuagem.” Ele também trabalha com desenhos referenciais apresentados pelos clientes, mas refaz a imagem para imprimir exclusividade e para que se adapte à anatomia corporal.
 
Nélio Tattoo – rua São João, 301, Bairro Alto - Piracicaba (SP) - (19) 3422-7570 - neliotatuagem@gmail.com - Facebook/neliotattoo.arte - Instagram: @neliotattooarte
 
 
 
 
  
 
 
  
 
 
 
 
 
 
Autodidata, Elvis Gustavo Schmidt, 38, começou a tatuar aos 24 anos, mas desenha muito desde criança. Aos 20 anos, aprimorou seus traços em cursos profissionais. Mais conhecido por Canella, ele ainda continua se atualizando em workshops ministrados por tatuadores nacionais e estrangeiros. Para ele, o aprendizado nunca para. Canella também está no grupo dos tatuadores realistas, mas também executa tattoos de outros estilos.


 
Ele conta que o perfil da clientela mudou nos últimos oito anos – antigamente o
 público era formado por 70% de homens, na faixa etária de 18 a 35
 anos. Atualmente, a procura se divide de forma igual entre homens e mulheres. “A idade também mudou. Tenho clientes com mais de 60 anos. No geral, quem faz tatuagem hoje não quer um desenho para esconder e sim para mostrar”, conta ele, indicando que há uma guinada na aceitação de pessoas e, principalmente, de profissionais tatuados.
 
A mudança quanto à biossegurança para o setor também modificou como a arte é encarada, incluindo mais exigências de assepsia, novas tecnologias das ferramentas e qualidade das matérias-primas. A dica de Canella para acertar na tatuagem é ter atenção quanto à qualidade, ou seja, escolher um bom tauador (no que diz respeito ao estilo) e ter cuidados com a cicatrização, pois isso garante a excelência no resultado final do trabalho. “A equipe do estúdio faz questão de acompanhar a cicatrização dos clientes”, conta. Além de tatuagens, o espaço também oferece piercings, roupas e acessórios. Em breve, Canella planeja transformar o estúdio em ponto de encontro.
 
Canella Tatto Studio – rua Voluntários de Piracicaba, 940, Centro - Piracicaba (SP) - (19) 3375-6257 Facebook/CanellaTattooStudio - Instagram: @ canellatattoo
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  
 
 
Referência em Piracicaba, Eduardo Rodrigues, 40, já tem 20 anos de carreira. Um autodidata em desenhos desde criança, ele teve seu primeiro contato com o mundo das tatuagens aos 15 anos por meio de um amigo da área. “Naquela época, já fazia desenhos para ele e ganhava dinheiro com isso”, recorda Chacal, como é mais conhecido. A técnica da agulha foi conquistada a partir da tentativa e erro, com auxílio do mais tradicional tatuador de Piracicaba, o Garoa. 
 
 
Mas muita coisa mudou ao longo das duas décadas de profissão, conta ele. Em 2000, com a baixa do dólar, a acessibilidade ao mercado internacional deu um upgrade nos estúdios brasileiros. “Passamos a ter um material mais moderno, a China entrou na fabricação de agulhas e o mercado ficou globalizado.” A popularização das tatuagens aconteceu via conceito da liberdade individual. “Hoje em dia, as pessoas começam a tatuar a mão. Antes, a tattoo era feita em um lugar escondido”, comenta Chacal, observando que, de forma geral, o mercado de trabalho também acompanhou tal liberalização. “O empregador não mede mais a capacidade pela tatuagem, jeito de se vestir, cor de cabelo ou pele. Este processo de aceitação teve um grande auxílio da mídia, que passou a exibir atores tatuados.”
 
Múltiplo, Chacal diz que não tem um estilo como preferência. “A especialização torna insustentável o negócio. Meu diferencial é apresentar um desenho criado por mim ou uma personalização de algo pedido pelo cliente.” O público de Chacal é formado por 70% de mulheres. “Acho bacana porque a mulher é mais perfeccionista e está fazendo tatuagens bem maiores, não quer mais aquele beija-flor.” Têm passado pelo seu estúdio mulheres com mais idade, na faixa de 50 anos, casos como a filha que leva a mãe ou mãe que faz mais tattoos que a própria filha. No estúdio do Chacal também há piercing, suspensão, implante, microdermal, surface e bifurcação.
 
Chacal Tattoo Studio – rua Rangel Pestana, 466, Centro - Piracicaba (SP) - (19) 3432-9470 - Facebook/ChacalTattooStudio - Instagram: @chacaltattoo - www.chacaltattoo.com.br
 
NoGeeks, HQs e cartoons. Esta é a praia do casal Ana Boueri, 28, e Yuri Germuts, 30, da Prelludium Tattoo Art. Ana desafiou o ambiente masculino dos estúdios de tattoo e aprimorou a sua arte com formação em design gráfico e cursos avançados de desenho, incluindo histórias em quadrinhos e ilustração. Ela também cursou biossegurança, anatomia e fisiologia da pele. “Entre o curso e ser aprendiz num estúdio, o melhor é acompanhar um tatuador experiente, mas não há abertura para as mulheres. Por outro lado, agora eu ofereço um serviço especializado em tatuagens femininas, chamadas de cute, e elas se sentem muito mais à vontade por ter uma profissional mulher”, conta Ana.
 
Yuri já desenha desde os cinco anos de idade, com incentivo da família. Baixista de uma banda de rock autoral, ele uniu a música à tatuagem – até o início deste ano Ana e Yuri ‘picavam’ em festivais de banda e convenções de tattoos. O casal trocou suas experiências, Ana com a bagagem de cursos variados e, Yuri, com a vivência de tatuador. “Tatuagem envolve talento. Os cursos trazem técnicas sobre ferramentas e comportamento da pele”, diz Yuri.
 
Ele prefere não encarar qualquer estilo, e opta por cartoon e new school. Ela risca as coloridas, a glitter tattoo, desenhos de mangá, Disney e videogame. O casal também trabalha com reformulações dos desenhos apresentados pelos clientes para conferir ética e exclusividade. A grande procura no estúdio, cerca de 70%, é por coberturas de tatuagens antigas. A recomendação dos profissionais é maturar a ideia antes de tatuar. “A empolgação dos 18 anos, que é quando a lei estadual permite a tatuagem, pode ser um perigo”, afirma Yuri. “É preciso gostar bastante do desenho, encontrar um profissional do estilo, não querer decidir pelo preço, pois se trata da contratação de um artista”, explica Ana. Na Prelludium, o cliente e acompanhantes têm videogame e Netflix para passar o tempo, além de uma lojinha com roupas e acessórios alternativos e artesanais. Após o trabalho, o casal acompanha a cicatrização da tatuagem.
 
Prelludium Tattoo Art – Rua José Pinto de Almeida, 367, Bairro Alto - Piracicaba (SP) - (19) 2534-2575 Facebook/PrelludiumTattooArt - Instagram @prelludiumtattoo @anaboueri @yuri.germuts - www.prelludiumtattooart.com.br

 

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