Cristiano Zanin Martins | Entrevista
Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | 28ª Edição | Maio | 2017
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Foto: Felipe Valim
por Cristiane Sanches
Uma das maiores batalhas jurídicas (e políticas) já assistidas no Brasil, desencadeada pela Operação Lava Jato, tem um piracicabano entre seus protagonistas: o advogado Cristiano Zanin Martins. E pouca gente sabe disso. É dele e de sua equipe a missão de defender o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva das acusações que recaem sobre ele, divididas em cinco ações penais, sendo três pela Operação Lava Jato, uma pela Operação Janus e uma pela Operação Zelotes. A repercussão internacional do caso tem trazido grande visibilidade ao advogado que, certamente, terá seu nome lembrado por futuros juristas em razão de sua atuação, até agora, tecnicamente bem-sucedida.
Cristiano nasceu em 15 de novembro de 1975, na antiga Clínica Amalfi. É filho de Maria Roseli e Nelson Martins. Estudou em escolas tradicionais da cidade, frequentou o Clube de Campo, onde gostava de jogar futebol, fez cursinho aqui e só deixou a sua terra natal quando foi estudar direito na PUC-SP. Casou-se com a também advogada (e sócia) Valeska, com quem tem três filhos.
Em seu elegante escritório, a poucas quadras da avenida Paulista, na capital, Cristiano Zanin Martins recebeu com exclusividade a reportagem da Revista Tutti para falar sobre seu trabalho, o livro que lançará em breve e sua paixão pela defesa das garantias fundamentais dos cidadãos, que ele vê ameaçadas neste momento do país. “Vivemos uma espécie de estado de exceção”, avalia o jurista.
Revista Tutti - Costuma ir para Piracicaba com frequência?
Cristiano Zanin Martins - Hoje é mais difícil. Tenho trabalhado muito. Durante a semana viajo bastante, então, chega o final de semana, além de estar cansado e não ter vontade de viajar, eu fico com meus filhos (um de seis anos e dois gêmeos com três anos de idade). Mas, quando dá, eu vou.
Onde estudou, em Piracicaba?
Passei por três escolas: o Instituto Baronesa de Rezende, tive uma rápida passagem pelo Colégio Salesiano Dom Bosco e depois o CLQ. Há um tempo reencontrei colegas que estudaram comigo no ‘Baronesa’, pelo Facebook. Até houve encontros, me convidaram, mas não consegui ir.
O senhor morava na Vila Rezende?
Não, meus avós moravam lá. Tive uma convivência muito intensa com minha avó, que faleceu ano passado. Por isso eu estudava na Vila Rezende. A escola ficava na mesma rua onde meus avós moravam.
Frequentava algum clube?
Frequentei muito o Clube de Campo. Participava do time de futebol, era lateral-esquerdo. Sou são-paulino. Tive bons momentos no CCP, nos campeonatos. Joguei com muita gente boa. Foi uma época legal da minha vida.
Saiu da cidade para estudar?
Eu saí com 18 ou 19 anos para estudar direito na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e acabei ficando. Fiz faculdade, estágio, depois fui integrado ao escritório de advocacia do professor Eduardo Arruda Alvim e daí fiquei. Trabalhei mais ou menos por cinco anos no escritório dele e depois conheci minha esposa (Valeska Teixeira Zanin Martins, também advogada. A família dela tinha já o escritório e acabei me associando à minha esposa, minha cunhada (Larissa Texeira Quattrini) e meu sogro (Roberto Teixeira), que já eram sócios no escritório.
Como surgiu o direito na sua vida? Tem parentes nesta carreira?
Meu pai, Nelson Martins, é advogado e eu sempre considerei a ideia de que eu iria para a área jurídica. Acho que o que mudou foi que, no início, minha intenção era seguir uma carreira pública, na magistratura ou no Ministério Público, tanto é que eu fiz estágio na área pública, tanto no Ministério Público quanto no Judiciário. Depois surgiu a oportunidade de trabalhar no escritório como estagiário, fui, gostei muito e abandonei a ideia da área pública.
O que o encanta no direito?
Acho que o direito dá um conhecimento muito grande e permite que você possa efetivamente lutar pelos direitos das pessoas. Fundamentalmente é isso: é conquistar direitos e lutar por eles.
E como está essa luta?
Está pesada. Acho que a gente vive um momento de desconstrução de muitas garantias que já estavam consolidadas há muito tempo. É um período difícil. Há um certo recrudescimento por parte do próprio Judiciário e, acho que isso é fruto também de uma tensão social muito grande pela qual o país passou e continua passando. Há um clima de animosidade na sociedade e acho que isso, de certa forma, está sendo incorporado pelo Judiciário. Isso é perigoso porque se dá principalmente na desconstrução de garantias fundamentais.
Dentro da história do direito no Brasil, e temos grandes nomes na defesa dos direitos fundamentais, quem é sua referência?
Acho que temos vários ícones do direito, pessoas que batalharam e se dedicaram à causa independentemente de posições ideológicas. Nessa linha, um dos maiores advogados que o Brasil já teve foi (Heráclito Fontoura) Sobral Pinto. Ele era uma pessoa conservadora, mas na atuação dele como advogado isso era absolutamente irrelevante. Ele defendeu pessoas de um espectro ideológico totalmente diferente e com a mesma altivez e pugnacidade com que defendia pessoas que estavam no mesmo espectro ideológico dele. Além da sabedoria jurídica, ele associava esse lado combativo e de indignação com a injustiça.
O senhor vai lançar mais um livro...
Lançamos um livro, no final do ano passado (O Caso Lula: a Luta pela Afirmação dos Direitos Fundamentais no Brasil), que é um conjunto de artigos escritos por 20 grandes juristas, que falaram especialmente sobre as violações que foram impostas ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, no âmbito da Operação Lava Jato. São advogados, membros do Ministério Público e até juízes que fizeram sua leitura sobre essas violações. Foi um livro importante, que nós conseguimos organizar e que tem uma aceitação muito boa pela qualidade dos trabalhos apresentados e que se colocam como um contraponto e uma necessidade de analisar até que ponto uma operação que se propõe a promover o combate à corrupção também precisa respeitar garantias fundamentais. Agora vamos lançar esse segundo livro abordando o Lawfare, que eu acho que retrata um pouco dessa experiência que estamos vivendo nesse caso da defesa do ex-presidente Lula, e também uma experiência que nós adquirimos a partir de estudos feitos em outros países. Tivemos contato com professores estrangeiros, especialmente da Universidade de Harvard (EUA). Lawfare é a junção da palavra law (lei, em inglês) e warfare (guerra), que nada mais é do que usar a violência da lei para atingir alguém, a lei como arma de guerra. A lei é violenta por natureza. Ela pode tirar a sua propriedade, a sua liberdade. Se você usa desta violência da lei para perseguir um inimigo ou um inimigo político, você acaba praticando uma conduta muito grave, e a lei e os processos jurídicos não são feitos para perseguir ninguém. Eles devem ser usados com muita parcimônia e serenidade. Por isso que o perfil do juiz, que é aquele que vai aplicar a lei, deve ser sempre sereno, justo e equilibrado. O livro deve ser lançado entre agosto ou setembro próximos.
A oportunidade de fazer a defesa de um ex-presidente da República, certamente, traz notoriedade e agrega valor à sua carreira. O senhor vai entrar para a história.
É um processo que será analisado por futuras gerações, não só no Brasil como no exterior. Já existe no mundo todo interesse em saber o que está acontecendo.
O que o senhor acha que os juristas do futuro dirão deste momento pelo qual passa o Brasil?
À medida em que o tempo for se distanciando do processo, vai ficar cada vez mais claro que houve uma perseguição ao ex-presidente, usando dos procedimentos jurídicos. Ele foi submetido a diversas ilegalidades e arbitrariedades, na expectativa talvez de que pudessem, de alguma forma, encontrar algum crime para poder puni-lo. Acho que não houve preocupação com a ilegalidade no momento sob a expectativa de que alguma coisa fosse ser encontrada contra ele. Só que não encontraram. Ele foi submetido a uma devassa como poucos foram neste país, e não encontraram uma conta oculta, valores no exterior. Esta leitura, no futuro, ficará mais clara ainda do que é hoje. Dirão que vivemos numa espécie de ‘estado de exceção’ dentro do período. Houve uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, que é o tribunal que julga os recursos da Lava Jato, que, a meu ver formalizou este estado de exceção, porque disse que a Lava Jato, por ser uma operação inédita, não precisaria seguir as regras gerais, ou seja, a lei. Alguns juristas já tiveram a oportunidade de criticar de forma muito dura essa decisão. Eu mesmo estive com um grande jurista argentino de reputação mundial, Raúl Zaffaroni, que é membro da Corte Interamericana de Direitos Humanos e foi membro da Suprema Corte argentina. Depois que ele teve conhecimento dessa decisão, escreveu um artigo, dizendo que era um ‘escândalo jurídico internacional’. Já há interesses de outros países de analisar essas violações. Por exemplo, fomos chamados por alguns parlamentares britânicos que queriam entender as violações que estão ocorrendo no Brasil, particularmente com o ex-presidente Lula, e que são objeto também de um comunicado feito ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, em julho do ano passado. Há um interesse mundial de entender o que está se passando aqui, porque, se de um lado existe o discurso de uma operação de grandes proporções, que alcançou êxito no combate à corrupção, de outro lado existe toda essa demonstração que nós fizemos e continuamos a fazer de que essa mesma operação cometeu graves e grosseiras violações das garantias fundamentais.
Apesar de estar simplesmente exercendo sua profissão ao atuar na defesa do ex-presidente Lula, o senhor deve enfrentar reflexos dessa polarização que ocorre hoje no Brasil. Estou certa?
No início do caso havia uma polarização maior ainda no país. E existe uma confusão das pessoas, às vezes, em relação ao papel do advogado. Então diria que, no começo, tive alguns problemas, sim. Por exemplo, na escola dos meus filhos. Num evento que ocorreu no ano passado, no qual estaria presente, alguns pais quiserem, de alguma forma, se mobilizar em protesto pela minha presença, com a intenção de me constranger. Meus filhos estudam numa escola internacional. Há orientação para conviver com as diferenças etc. Mas foi tudo contornado eficientemente pela direção da escola e nada aconteceu. Tive problemas pontuais, já superados, mas foi o que mais me marcou por envolver meus filhos, crianças sem nenhuma noção do que estava se passando. Depois, à medida em que o trabalho foi sendo realizado que as pessoas entenderam meu papel, que estou fazendo uma defesa técnica, e não um ato de militância, as pessoas passaram a respeitar.
Já foi militante político ou é filiado a algum partido?
Não.
Sua página no Facebook tem muitos elogios, muitas manifestações de apoio ao seu trabalho, mas também agressões verbais pesadas, que não são excluídas da página. Como lida com isso?
No geral, sei lidar com isso. Sei que as redes sociais são um ambiente propício para as pessoas acharem que podem escrever qualquer coisa, que é um mundo sem lei. Mas, é claro que quando eu vejo que há um excesso manifesto.Uma vez me mandaram uma mensagem em tom ameaçador, no privado, eu coloquei pra que todos pudessem ler, para ver se a pessoa sustentava aquela posição dentro de um estado democrático de direito. A pessoa sofreu uma reação dos outros. Todo mundo viu que não era nada adequado. Você tem a liberdade de manifestação garantida pela Constituição, mas não pode ofender e ameaçar pessoas simplesmente porque está no ambiente virtual.
Como define seu temperamento?
Acho que sou uma pessoa bastante equilibrada, mas, ao mesmo tempo, não fujo a nenhum combate. Há uma característica que, penso, todo advogado de contencioso deve ter, que é a chamada pugnacidade. Você tem que ter equilíbrio, mas sempre estar pronto para o embate.
Tem algum sonho a realizar?
(risos) É tão difícil falar... O sonho é necessário porque é um estímulo pra você continuar sua vida evoluindo. Não pode ser um. Tem que ser vários. É preciso sonhar para viver e evoluir o tempo todo.
O que o comove?
Muita coisa me comove. Pela minha profissão, tenho que ser muito sereno. E eu tenho esse perfil, embora não signifique, às vezes, que eu não estou sofrendo com uma situação, emocionado. Mas busco, pelo menos, separar isso da minha profissão. Mas tem muitas coisas que me comovem... A experiência com meus filhos é muito gratificante. Vejo a evolução de cada um deles e isso me comove.
Consegue tempo para estar com seus filhos?
Faço um esforço muito grande para isso. Por exemplo, eu acordo por volta das 5h30, vou à academia e faço questão de levar meus filhos à escola todos os dias. Se eu não conseguir almoçar em casa ou se eu chegar mais tarde, pelo menos consegui levá-los à escola, tive contato com eles naquele horário. Nos finais de semana procuro me dedicar bastante a eles, mesmo tendo que fazer algum trabalho. Prezo muito por essa relação com meus filhos.
O que o desafia?
Toda vez que eu vejo uma violação de direitos, eu me sinto desafiado a agir e a tomar providências como advogado. Isso é uma característica minha. Quando me sinto desafiado, vou com muita persistência até o fim para poder corrigir uma injustiça. Sou uma pessoa persistente.
Como espera que seu nome seja lembrado no futuro?
Eu espero que se lembrem de mim como alguém que participou de um grupo de advogados que lutou bastante para que as violações a garantias fundamentais e a injustiça fossem corrigidas.
Como definiria o Brasil hoje numa única palavra?
Caótico.
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