Fazemos acontecer

"O humor sempre tem uma vítima"

Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | 03ª Edição | Agosto | 2012
Foto: Alessandro Maschio / MBM Ideias

Para o caricaturista piracicabano Érico San Juan, o humor é o contrário do bom-senso. Essa característica, conta, pode até ser aplicada a outras artes, mas nunca ao humor. Afinal, explica, a graça não deve ter limite. Só cabe ao próprio artista definir até onde ele vai. “O que eu vejo, na prática, é o seguinte: como arte pode não ter limite, mas você deve saber onde está pisando”, afirma.

E ele sabe bem do que está falando, pois os 36 anos já tem uma longa carreira que começou ainda adolescente, nos jornais locais, atuando como desenhista e ilustrador de suplementos infantis. A trajetória de Érico San Juan está intimamente ligada à do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, onde marca presença o tempo quase todo de realização.É que ele descobriu um filão novo: fazer caricaturas ao vivo, acompanhadas pela distribuição de um jornal que edita sozinho, o Caricaras. O contato direto com o público, garante, ajuda a manter o senso de humor. “Eu tenho presença de espírito, mas às vezes esse espírito é de porco”.

 

Tutti Condomínios - O que é o humor para você?

Érico San Juan - Humor para mim é profissão, é visão de mundo.

Você teve essa visão desde pequeno?

A gente depois pensa, com nossos botões, no decorrer do caminho. Não faz esse tipo de reflexão quando começa. Vamos dizer que isso já está dentro da gente.

Você era uma criança engraçada ou reflexiva?

Não é por aí, as pessoas confundem cartunista com humorista.

E não chegam a lhe cobrar: ‘puxa, você não parece engraçado’?

É que as pessoas não sabem direito nem o que elas são! E ficam cobrando uma coisa que eu não sou. As pessoas são mal informadas. A minha postura é sempre explicar as diferenças, assim como explico as diferenças entre cartum e caricatura. Tem o lado da ignorância, mas tem o lado de as pessoas não serem obrigadas a saber. Porque o mundo não gira em torno do nosso imenso umbigo. Eu me localizo no meu mundo suficientemente para eu saber que eu vivo num país que não tem um nível cultural gigantesco. Aliás, nem eu tenho um nível cultural gigantesco! Eu exerço a minha profissão, exerço meu humor, mas também explico o que eu faço. Eu me cobro esse dever de ser didático.

Quando você começou a desenhar?

Para cair no clichê, isso veio desde criança. Como profissão, exerço desde os 15 anos.

Começou no Jornal de Piracicaba?

Sim, no suplemento infantil. Cito também O Diário, jornal que não existe mais, que marcou minha fase amadora, em 1988.

Hoje há um excesso de informação. A gente tem a impressão de que acontece coisa demais. Isso facilita ou dificulta para o cartunista?

Facilita. Quando você está começando, nem sabe direito como fazer. Com o tempo é que desenvolve a visão de mundo. Aí você vê que tudo é assunto. Você fala do mundo, mas com a sua visão, não a partir do seu umbigo. Você tem a sua interpretação. Pode ser a entrevista que está fazendo comigo, a árvore lá fora.

Hoje não tem muita gente se achando humorista?

Aí que está a democratização. Você ser piadista de churrasco de fim de semana é uma coisa. Subir no palco para fazer um stand up comedy é outra. Aí precisa ter o preparo, a bagagem.

Para ser cartunista é a mesma coisa?

É necessário isso. É uma análise que eu faço e quem não gostar que vá lamber sabão. Para ser cartunista você não precisa de muito, começa tendo uma língua afiada e depois vai desenvolvendo a sua técnica. Começa com essa língua afiada, e adolescente geralmente é malcriado, depois vai refinando o seu discurso. Aí você sabe quem você é, se localiza melhor no mundo.

E como se faz para lidar com a pressão do tempo, de entregar um trabalho dentro do prazo?

Eu comecei a trabalhar em jornal. A gente trabalha contra o relógio. Hoje não trabalho mais em redação, mas faço caricatura ao vivo. Nos últimos três anos tenho feito bastante no Salão de Humor, fico nos fins de semana com o meu jornal, Caricaras. Eu tenho de fazer com velocidade para o público não ficar entediado na fila, esperando. Modéstia a parte, junta uma fila grande. Porque é uma performance e cai um pouquinho no humor.
E como as pessoas reagem ao ver a caricatura delas? Já aconteceu de falarem: ‘pô, eu não sou assim, você acabou comigo’?
Sempre tem isso. Sabe o que acontece? Você falou de a pessoa ter bom humor, mau humor. Eu acho que você pode dar seu recado, mas isso não lhe dá carta branca para ser grosseiro. Você pode falar uma coisa ácida num texto, num cartum, numa charge, fazer uma caricatura exageradíssima, mas no meu caso procuro ter um trato de lidar com o público. É muito simples: respeite os outros como você gostaria de ser respeitado.

E no seu caso pode até ser perigoso, pois faz caricatura da pessoa na frente dela...

Eu digo que é uma espécie de psicanálise. É um espelho quebrado que você dá para a pessoa. Então aí é que entra meu trato pessoal, com uma gentileza, tentar cativar a pessoa. Tem técnicas também para isso.

Mas se você desenha a pessoa bonitinha demais não vale como caricatura, não? O ideal é ela se refletir?

A definição de dicionário par caricatura é distorção e exagero. A gente segue isso. Só que depende do público. No caso da caricatura ao vivo, você tem de ter sensibilidade. Por isso que eu acho que não deve haver limite do humor. O limite é de cada um.

E qual é o limite do humor? O bom-senso?

A arte legítima não pode ter limite. O humor é o contrário do bom-senso. Você pode até aplicar esse conceito em relação a outras artes, mas não para o humor. É só você pensar num exemplo simples: você está andando e escorrega numa casca de banana. Vai ter alguém que, no mínimo, irá sufocar um risinho, mas a maioria dá risada. Ela só vai te socorrer depois. O humor é isso: sempre tem uma vítima.

O limite não seria a falta de graça?

Pode até ser, mas a graça depende da referência de cada um. O que eu vejo na prática, trabalhando com isso, é o seguinte: como arte pode não ter limite, mas você tem de saber onde está pisando.

Você não se policia, não há uma auto-censura?

Não é auto-censura. Aí que eu acho que entra o bom-senso. Mas é da medida de cada um. Tem gente que fala: ‘tô nem aí’! Arte é isso mesmo, é não estar nem aí.

Hoje temos essa discussão sobre limites do humor mais em relação aos humoristas da TV. O que acha disso?

Eles não estão exagerando. Sabe por quê? Porque você não pode ter medo. A noção de limite é muito elástica. O que eu acho que pode funcionar como limite é o público para o qual você está se dirigindo e o veículo.

Mas me parece que os cartunistas não estão sendo tão questionadores. Ou é impressão?

Porque estamos tendo uma geração de cartunistas ‘bonzinhos’. E vou explicar isso. Sabe por que eles são bonzinhos? É algo que explica o aumento da quantidade de caricaturas no Salão de Humor, trabalho que se investe mais em técnica do que em criatividade. Fica algo mais aceitável. Somos uma geração marcada pela charge política. Mas hoje vamos desenhar o Steve Jobs e não a Dilma. É uma geração despolitizada.

Seu trabalho atual é fazer caricatura ao vivo, em eventos?

Isso. É muito legal porque você tem de ter um treino enorme. Fui fazer curso para me aperfeiçoar. Antes eu não falava uma palavra sem gaguejar. Então, tive de me ‘fazer’ também.

Há quanto tempo faz o Caricaras?

Desde 2007. Tudo é feito por mim, até a impressão. Faço dois números por ano. Lanço em festas e eventos. Desenho as pessoas na capa. A capa é a pessoa. Então, digamos que ‘essa é a minha vida.’ Tudo que eu faço de humor está no jornal. Eu banco os recursos. Sou produtor de mim mesmo.

Se tivesse publicidade, iria descaracterizar?

Não tem problema. Não tem purismo, porque a gente trabalha com comunicação de massa, por mais que tenha essa coisa de artista, esse papo furado de inspiração. Não existe inspiração. A gente vai atrás disso. Eu não vou esperar ‘baixar o santo’ para desenhar uma pessoa.

É mais transpiração?

O tempo todo. Você puxa a ideia, você não espera ela acontecer. Porque a gente trabalha com prazo.

Nunca sai o ideal, mas o possível?

Você cria o possível também. É porque já fui profissional desde muito cedo. Já tenho esse pensamento de ação, não de divagação.

Como entrou o Salão de Humor na sua vida?

Eu vejo desde moleque, com meus pais. Participo muito, quase todos os anos, e já me inscrevi umas cinco vezes. Este ano vou ser jurado, o que é difícil. Eu comecei muito cedo, estou com 36 anos e já tenho 21 de carreira. No ano passado, teve uma paralela minha com os 20 anos de carreira, na Casa do Povoador.

O que está sendo o melhor nessa carreira?

Manter o humor. Eu tenho presença de espírito, mas às vezes sou um espírito de porco.

Você não tem momentos de mau humor?

Quem não tem? É natural.

E o que tira seu humor?

Coisas pontuais são difíceis. Se eu disser, vou cair naquelas respostas clichês. Nada tira meu humor, nem o trânsito, até porque não dirijo. Quem não dirige não é considerado dono do seu nariz.

Você é considerado maluco?

O tempo todo. E o legal de ser considerado maluco é que você pode falar o que você está pensando. Em vez de as pessoas se ofenderem, elas vão reafirmar que você é maluco. Sabe por quê? Porque as pessoas não passam recibo pra você. Você tem uma suposta liberdade para falar o que você pensa. Porque também tem o seguinte: você não precisa ser muito diferente do senso comum para ser considerado maluco.

Basta fugir um pouco do lugar-comum...

Basta ter opinião própria, ser bem articulado e ser irreverente. Quando você não tem consciência disso, não te dão crédito. Mas as pessoas não são bestas também. Elas sabem que você está encenando de alguma forma.

A gente é maluco, mas não é burro a ponto de achar que os outros são burros, não é?

Claro! É bom não subestimar a inteligência alheia. É vício de quem faz cultura, de se achar o detentor da informação, do conhecimento. Nós somos os falsos desencanados. (por Ronaldo Victoria)

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