Fazemos acontecer

Natal todo dia

Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | 05ª Edição | Dezembro | 2012
Foto: Alessandro Maschio / MBM Ideias
Além da atuação destacada no Projeto Ilumina, idealizado por ela e voltado à prevenção do câncer, a médica Adriana Brasil vive um período especial, com a segunda gravidez, outra vez de uma menina, aos 40 anos de idade e quase 9 anos após a primeira filha, Maria Clara. Isso sem contar a proximidade do Natal que, Adriana garante, potencializa realmente a sensibilidade. Nesta entrevista ela fala sobre trabalho, medicina, câncer e solidariedade, sempre de forma transparente, e mostra que o espírito do Natal está presente em sua vida os 365 dias do ano.


A novidade da gravidez, o que muda em seu trabalho?

Pois é, estou de 12 semanas, e aos 40 anos. Minha filha já vai fazer 9 anos. E isso tem me deixado muita emocionada.

A vida começa mesmo aos 40 anos...

A vida recomeça mesmo, enquanto missão. Porque você vai tomando outra consciência, outra forma de pensar.

É outra dimensão?

Sim. Você já sabe tudo o que você não quer e vê tudo o que quer um pouquinho maior.

Na época do Natal, a gente celebra a vida e a generosidade. Mas solidariedade precisa ter data marcada?

Eu sou uma pessoa que sempre fala: eu acredito em Papai Noel. Mas nunca acreditei naquele velhinho de barbas brancas que dá presentes. Quando fui tocada por certas coisas, principalmente por causa da medi cina, eu comecei a perceber que nessa época do ano as pessoas ficam mais sensíveis. Minha filha até hoje acredita em Papai Noel.

Você não tirou essa ilusão dela?

Não, mas ela foi descobrindo que era o pai, depois o tio Rodrigo, o médico que trabalha com a mamãe. Ela acredita no fundo que existe uma pessoa bondosa que distribui bênçãos ao mundo. E eu acredito nisso!

E vem um menino ou uma menina?

Outra menina. As meninas são mais introspectivas e observadoras. Eu era assim, mas fui mudando pelo convívio diário. No fundo, permaneço a pessoa introspectiva que eu era quando menina. Conforme a vida foi passando e as circunstâncias foram me colocando na liderança do Projeto Ilumina, eu tive de transformar essa introspecção em contato para poder prosseguir.

Teve de jogar coisas fora?

Tive de compartilhar, é esse o verbo.

Hoje em dia a gente compartilha muita coisa no Facebook. Mas até que ponto compartilhamos efetivamente?

No Natal, a gente tem o maior exemplo de compartilhar. Todas as pessoas se lembram que elas só existem a partir do outro. Então, quando você se relaciona, você percebe que essa conexão é muito íntima. Nós somos todos um. Estamos todos interligados. Estamos todos numa sincronia absurda. E esse Papai Noel, que eu falo que acredito, traz um momento em que as pessoas se reconhecem, como sendo parte do mesmo corpo.

Mas não estamos muito voltamos para nós mesmos?

Acho que há alguns anos vivemos uma fase de um individualismo muito cruel. Agora é uma fase em que, se as pessoas não se unir, se não fizerem algo melhor, o planeta vai reclamar. Você pode ver isso até nas empresas. Aquelas que se consideram únicas, só pensam em si, não vão sobreviver. As pessoas que, nas suas profissões, se considerarem únicas, que não trabalham em equipe, não vão muito longe.

Porque a gente não pode desprezar a internet, a tecnologia, a comunicação...

A comunicação é considerada o quinto pilar da humanidade. E com um grande potencial modificador da humanidade. O Projeto Ilumina só tem esse sucesso por causa da rede de conexão de pessoas, de empresas, e de formação de um todo.

Hoje não dá para ninguém mais ficar "na sua", não?

Só conseguimos por meio da união de forças das pessoas. E cada um se transforma nessa missão.

A menina Adriana já pensava em ser médica?

Não pensava. Como eu observava muito, eu sentia uma gratidão por existir, participar da natureza, do planeta, apesar de ser introspectiva. Existia algo, que era muito puro, que não sabia compartilhar, mas me sentia muito diferente.

Por que motivo?

Eu era uma menina diferente, com família pequena, pai militar e mãe dona de casa. Nasci em Santos e a gente mudava a cada três anos por causa da profissão do meu pai. Como mudava muito de escola, tudo era muito provisório. Às vezes, estava no Rio Grande do Sul, às vezes em Brasília. Eu olhava tudo e achava estranho. Por isso o motivo da introspecção. Porque eu não me sentia parecida com ninguém, desde essa época.

Como veio morar em Piracicaba?

Eu fiz medicina na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), depois no Inca (Instituto Nacional do Câncer) fiz cirurgia de cabeça e pescoço. Daí teria de voltar pra Campinas, onde minha família morava. Aí conheci doutor Perci Bertollini. Ele falou que tinha um trabalho pelo SUS, com pacientes carentes. Mas hoje tenho de fazer opções e estou deixando esse ambulatório em aberto.

Você sempre trabalhou com pessoas mais necessitadas?

Sempre foi meu objetivo. Porque nessa área os tumores maiores, as situações mais críticas, estão na população mais carente.


‘Nós somos todos um. Estamos todos interligados. Estamos todos numa sincronia absurda’Por que essa relação?

Porque está relacionado com higiene oral, com baixo nível socioeconômico, baixa ingestão de frutas e verduras, tabagismo e alcoolismo também, o que não quer dizer que só existam nas camadas mais baixas. Outra coisa: os pacientes chegam em estágios mais avançados. Tiveram menos possibilidade de acesso, menos consciência.

Como é dar péssimas notícias, dizer que não há cura?

É terrível. Por muito tempo me ensinaram que eu não deveria me envolver. Não existe isso de dizer que não há esperança. A estatística é maravilhosa para números, não para pessoas. Eu imagino que o câncer é uma grande oportunidade de transformação. E a experiência que tenho com meus pacientes é de grandes transformações. De pessoas que falaram ‘depois da doença eu fiquei melhor do que eu era antes.’

Ninguém fica o mesmo, não?

Isso é uma escolha, mas a questão da fatalidade da doença faz com que as pessoas sejam colocadas numa situação em que têm de abrir mão de tudo que conhecem e se abrir para o novo. Porque, teoricamente, se acham diante da morte. É esse o grande ponto da doença. A gente vai vivendo a vida, mas se alguém fala: ‘viu, você vai morrer amanhã’, você joga fora 95% das coisas que você quer. Você vai focar em 5%.

No que vale realmente a pena?

No que significa amor, compartilhar, se estender além do ser individual.

Por que o câncer ainda continua tão letal?

Muito foi investido em relação aos tratamentos. E até agora o que se viu foi que a melhor maneira de tratar o câncer é pela detecção precoce e prevenção primária.

E nisso é que entram as grandes campanhas do Ilumina?

Somos voltados mais para a prevenção, objetivo do Ilumina. É claro que essa maneira humanizada vai lidar antes com o medo de morrer.

Por que algumas pessoas têm medo de saber, não?

Aprendi muito em relação a isso. Tínhamos 400 exames e até dois dias da campanha (Outubro Rosa, de prevenção ao câncer de mama, que aconteceu em outubro) só havia 70 vagas preenchidas. Isso porque ainda fomos aos bairros, mapeamos a cidade e ver os epicentros de casos. Fomos nesses bairros fazer palestras sobre o medo, o mito, o tabu do câncer. Tivemos a mídia como parceira. E mesmo assim havia 330 vagas três dias antes da campanha.

Como nasceu o Ilumina?

O Ilumina nasceu, em 2008, por meio da amizade com Henrique Prata, do Hospital do Câncer de Barretos. Ele aprovou o projeto, totalmente teórico na época. Já discutia a humanização, trazer o amor para a medicina, tratar as pessoas como iguais, dar oportunidades de as pessoas se transformarem, fazer acesso irrestrito, diminuir a fila de oito meses para 15 dias. Mas ele me falou para estender isso a todas as áreas.

Qual tipo de câncer existe mais?

Em mulher é mama, em homem, próstata. Só que antes desses dois, em todos, é pele. Mas não é tão levado em conta, até mesmo porque tem um nível de cura de 99% porque são tumores visíveis e pequenos.

Como está hoje o Ilumina?

Hoje está tranquilo, temos um espaço na avenida dos Operários, que alugamos, uma clínica de oito salas.

O que o projeto te traz de melhor?

A satisfação de você ver as pessoas diferentes é o maior retorno que um voluntário pode ter. Pedi para o doutor Rodrigo Reis assumir a presidência para eu me focar mais na coordenação e na parte técnica. Hoje temos promessa de doação de um terreno, de 5.000 metros quadrados, e vamos começar a construir o módulo 1 do Hospital do Câncer Ilumina dentro desse terreno.

Quanto é preciso por mês para manter o Ilumina?

Hoje o custo é de R$ 17 mil. Mas, com a projeção de todas as contratações que a gente tem que fazer, aumenta. O voluntariado chega a um ponto de equilíbrio. Os médicos são todos voluntários. Tudo que é feito lá é feito como nas clínicas. Mas, cada um pode dar um pouco e às vezes a gente precisa de tudo daquele médico. Para que ele consiga largar parte da clínica que dá o sustento, preciso pagá-lo.

Não conta com nenhum tipo de verba?

É tudo privado. Para conseguir verbas, preciso ter utilidade pública municipal, o que foi negado duas vezes. Mas vamos entrar de novo no final do ano e, se Deus quiser, agora passa. Tendo isso, já podemos fazer contratos de parceria direta, de recebimentos de verbas do SUS via prefeitura.

O senso comum liga câncer a guardar mágoa. Isso não é injusto?

Abordo muito no consultório com o paciente o seguinte: o que nós fomos até agora é passado. Mas nós podemos escolher o que vamos ser daqui para  frente. Eu gosto de ir à Amazônia e lá tem os avisos: “Você está em solo sagrado”. Então é isso que eu falo: esvazie a sua mente, você está em solo sagrado. (por Ronaldo Victoria)

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