O ‘sommelier’ você conhece. O termo ficou famoso graças à glória social que o vinho alcançou. Todos sabem dar uma mexidinha no copo, olhar a bebida, apreciar o bouquet, e beber aquele grande gole para depois soltar seu veredicto, seja ele um velho ‘gostei-não gostei’ ou algum texto mais elaborado. Agora o que talvez você não conheça é o ‘cachacier’. Esse é um produto 100% nacional e de alto nível. A nossa mais famosa ‘branquinha’ já alcança seus dias de fama internacional e de acesso aos salões da alta sociedade, nas mais inúmeras versões e para os mais variados paladares e bolsos. Aqui falamos um pouco mais do assunto porque existe muito mais nesse universo do que mera conversa de bar.
Na produção da cachaça existe o modo artesanal ou de alambique, caracterizada por ser de pequena e média escala e utilizar o alambique como equipamento da destilação. É um processo todo manual e que utiliza fermento natural. Segundo Patrícia Medrado, do grupo Cachaça Salinas, a fermentação natural é feita à base de farelo de milho, arroz e limão.
Já a cachaça industrial, ou ‘de coluna’, é produzida à base de fermentos químicos e utiliza um destilador de coluna em inox, próprio para uma produção contínua em larga escala. Segundo Jairo Martins da Silva, autor do livro Cachaça: o Mais Brasileiro dos Prazeres, devido ao tipo do processo produtivo, a cachaça artesanal apresenta características sensoriais mais marcantes e diferenciadas.
Até recentemente, a arte de produzir cachaça era hereditária, com segredos que passavam de pai para filho. Em muitos casos, chegava até a ser perigoso, pois com o desconhecimento de substâncias químicas, vendeu-se muita cachaça com metanol por aí. Hoje, os cursos profissionalizantes com ênfase em tecnologia de cachaças e bebidas vêm se multiplicando por todo o Brasil.
A cachaça envelhecida, devido ao seu contato com os flavonóides e os taninos da madeira, adquire novos aromas, novos paladares e outras colorações. A cachaça fica mais macia e aveludada, atenuando a sensação desidratante do álcool. Patrícia resume dizendo que o envelhecimento serve para ‘amaciar’ a cachaça e o envelhecimento em madeira serve para dar o gosto amadeirado à cachaça.
Não se pode dizer, porém, que uma cachaça envelhecida, ou amarela, seja de melhor qualidade do que uma cachaça branca, apenas descansada. Segundo Jairo, esta é uma questão do posicionamento do produto no mercado.
A caipirinha foi, sem dúvida, o que abriu as portas para a cachaça no exterior. Ela até já consta na lista oficial de drinques da renomada International Bartenders Association (IBA), fundada em 1951, na Inglaterra. Além do modelo clássico, surge a cada dia novidades e receitas que incrementam a bebida.
Embora o nome ‘cachaça’ ainda seja um ilustre desconhecido fora do Brasil, ela deve pegar carona com a caipirinha e tentar se vender melhor por aí afora. Pode-se dizer que a caipirinha é o drinque do século. Finalmente o estigma negativo está com os dias contados.
Já faz algum tempo que a cachaça de qualidade chegou à elite do país. Muitas pessoas passaram a valorizá-la por ser um produto nacional de qualidade e hoje a degustam como vinho. Inclusive um número crescente do público feminino.
Para se apreciar a cachaça de forma correta é necessário seguir certo ritual, de forma a interpretar as diferentes sensações provocadas nos órgãos dos sentidos, especialmente na visão, no olfato e no paladar.
Jairo explica que tomar uma cachaça de um só gole, como muitos fazem, é uma heresia, pois assim não se valoriza a característica peculiar de cada dose. A análise visual permite verificar a limpeza, o brilho e a textura do líquido. Na análise olfativa, podem-se identificar os diversos sabores, iniciando pelo sabor da cana-de-açúcar e algumas notas da madeira de envelhecimento. Na análise gustativa, que é a mais importante, pode verificar a estrutura da bebida: sua acidez, o conteúdo de álcool e o corpo da bebida. No final, tem-se a percepção da cachaça com respeito à qualidade, harmonia, retrogosto e personalidade.
Ele acrescenta que não é necessário um ritual sacerdotal, mas com um pouco de espírito analítico pode-se realmente sentir prazer com as sensações provocadas pela cachaça. O copo ou taça deve ser transparente, límpido e sem cor. A cachaça deve encher até um terço e depois ser submetida às análises visual, olfativa e gustativa. Por ser uma bebida de grande teor alcoólico, a degustação deve ser acompanhada de água e alimento, até porque este definitivamente não é um prazer para um único gole. (por Giovanna Baccarin)