São 13h30 de uma quinta-feira calorenta e Luis Fernando Lima Nunes Barbosa, 38 anos, chega ao Centro Comunitário do Monte Alegre, onde está instalada a Unidade de Saúde da Família do bairro. Formado pela Faculdade de Medicina de Itajubá (MG), em 2001, com especialidade em medicina da família pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), ele atende no bairro desde 2009. E vem mudando o jeito de consultar a população, ouvindo os pacientes, encaminhando para grupos laborais e promovendo sessões de acupuntura, em que também é especializado. Ele conta que olha seus pacientes de forma integral, analisando também a família e a história de vida. Quanto à recente polêmica do programa Mais Médicos, e a chegada dos colegas cubanos, é mais crítico. “Essa solução do governo federal é paliativa. É preciso uma política de saúde para que o médico se sinta estimulado a trabalhar nessas regiões e com uma perspectiva de carreira”.
Revista Monte Alegre - O senhor está há quanto tempo no Monte Alegre?
Luís Fernando Lima Nunes - Estou desde 2009. É um bairro bom para se trabalhar. A gente não tem uma comunidade enorme, é pequena e não chega a 1.000 pessoas. E não trabalha com miséria. Aqui nós temos pessoas de diferentes níveis sociais.
Não existem casos de exclusão...
Não, todo mundo tem a mínima condição de uma vida adequada. Com isso, fica mais fácil para trabalhar. Porque nem sempre a população tem acesso. Muitas vezes o médico que trabalha na periferia precisa tratar a miséria. E tratar a miséria só com a medicina é difícil.
Como o senhor enxerga a população do Monte Alegre?
É politizada, sabe brigar pelas suas necessidades. Não é acomodada, sabe quem deve procurar. E o bairro consegue novas conquistas. O Centro Comunitário melhora cada vez mais, o bairro está mais bonito. É lento esse processo, mas vejo uma turma empenhada.
Seus pacientes também têm necessidade de atenção?
Eu diria. Principalmente por ser um bairro com muitos idosos, a população precisa de atenção. As demandas em saúde mental acontecem neste sentido.
Quais são as demandas em saúde mental?
Ansiedade e depressão. Se pensarmos que 25% dos idosos têm depressão, esse número aqui também é grande. Esse é um dos problemas que mais me chamam a atenção. Então tento trazer essas pessoas não só para se medicar, mas para participar de alguns grupos. Temos grupo de lian gong (Prática corporal que previne e trata as dores no corpo e restaura a sua movimentação natural), outro de alfabetização de adultos. Já oferecemos grupo de artesanato, antitabagismo.
Quer dizer que a pessoa não vem ao médico só para comprar remédio?
Como essa é uma Unidade de Saúde da Família, a gente tenta centrar a responsabilidade não no médico, mas na unidade. Todos têm a sua contribuição, e todos contribuem para a melhora da saúde dos pacientes. Como médico de atenção primária, tento não só focar na doença, mas enxergar o paciente de maneira holística, em sua complexidade.
Como é esse olhar holístico?
Eu tento olhar o paciente de maneira integral. Ele tem uma história, uma família, os seus medos, os seus desejos. A sua história de vida influencia na sua saúde, como ele enxerga determinados problemas de saúde.
São comuns as queixas de que as consultas andam cada vez mais rápidas, que os médicos mal olham para os pacientes. Como fica isso?
No Monte Alegre, essa é outra vantagem, porque a demanda não é enorme, e sim adequada. Então, eu tenho tempo de conversar com o paciente.
Quanto tempo dura sua consulta?
Às vezes dura meia hora, às vezes 20 minutos. Eu sei do tanto que eu preciso para o paciente. Se eu precisar de mais tempo, eu tenho. Isso facilita.
Está nas primeiras páginas dos jornais que a demora nos PS fica em seis horas. Como melhorar a situação?
Para o médico isso também é difícil. A demanda de pronto-socorro é enorme, já que muitas vezes as USF (Unidade de Saúde da Família) e as UBS (Unidade Básica de Saúde) não estão absorvendo a demanda que é da responsabilidade delas. Uma dor de garganta, um resfriado, um problema ginecológico simples, essas doenças não são para estar no pronto-socorro.
Teriam de ser atendidas pela Unidade de Saúde da Família?
Todos os bairros têm USF e UBS. A diferença é que a USF é formada por um médico generalista, uma enfermeira, os agentes comunitários e os auxiliares de enfermagem. Nas UBS você tem um médico clínico, um ginecologista e um pediatra, mais auxiliares e enfermeira. Aí pode-se pensar: será que não é mais vantagem ter três especialistas em vez de um só? A diferença é que o médico generalista é capaz de resolver de 80% e 90% dos problemas e gerencia a saúde daquelas famílias. Em cada família, eu sei os problemas de cada um.
Por que escolheu ser médico de família?
Porque eu acredito que para se resolver os problemas de saúde do Brasil é preciso uma saúde pública forte. E acredito no modelo, acho que garante mais facilidade de acesso.
Em que ponto da história da medicina brasileira o médico de família foi dado como ultrapassado?
A nossa medicina tem influência da americana, centrada nas especialidades. A medicina geral comunitária, que deu origem aos médicos de família nas décadas de 70 e 80, praticamente ficou morta. Com a criação do Programa Saúde da Família, a figura do médico de família tornou-se importante de novo. Hoje se percebe mais a importância desse profissional no gerenciamento da saúde.
O programa Mais Médicos colocou a sua profissão em foco. Como vê toda essa polêmica?
Acho que não basta criar um programa como o Mais Médicos, trazendo médicos formados no exterior, e colocar essas pessoas onde faltam profissionais. A saída é você criar planos de carreira municipais, estaduais, federais, para que se atraia realmente e para que esses médicos se fixem naquelas regiões. Essa solução do governo federal é paliativa. É preciso uma política de saúde para que o médico se sinta estimulado a trabalhar nessas regiões e com uma perspectiva de carreira.
Os cubanos não vão para onde os brasileiros não querem ir?
Mas em que condições vão trabalhar lá? Vão ter chance de fazer saúde? Saúde não se faz só com médico. Faz também com enfermeiros, terapeutas, com a questão de habitação, trabalho, lazer, esporte. Teria de haver uma política global de saúde vinculada a outras políticas, de médio e longo prazos.
Não foi um exagero ver brasileiros vaiando os médicos cubanos?
Não sei dizer. O que acho é que foi criada uma política inadequada, empurrada ‘goela abaixo’ da população e da classe médica. Não se abriu para debate. Os conselhos não foram chamados. Não foram escutados os setores que representam os médicos. Se vai dar certo, vamos ver com o correr do tempo....
De qualquer maneira, o senhor já faz esse trabalho...
Eu faço um trabalho parecido com o que esses médicos vão fazer nessas regiões mais longínquas.
Não poderia fazer esse trabalho no Amazonas, por exemplo?
Poderia trabalhar lá, mas não sei se teria as condições que tenho aqui em Piracicaba, com a estrutura que a cidade tem. Aqui eu tenho boas condições de trabalho para resolver os problemas de meus pacientes. Se o paciente tem uma patologia de complexidade maior, eu tenho para onde encaminhá-lo.
O que o senhor aprende com os seus pacientes?
O que a gente aprende é que não detém todo o conhecimento. Muitas vezes o médico se coloca numa posição de que é só ele que sabe tudo que é bom para o paciente. E não é verdade. Quando o médico passa a escutar mais o seu paciente, passa a entender melhor a patologia. Porque reflete toda a vida do paciente, a família, as experiências pessoais. Aí compreendo a sua história. Eu tento não impor o que eu penso, tento discutir com o paciente aquela doença. Se eu procurar impor um tratamento, a chance de fracasso é enorme.
O senhor disse que há muitos pacientes com ansiedade ou depressão. Quais as principais causas?
A baixa auto-estima, problemas de memória, piora na relação com a família e com a comunidade, isolamento social.
Dizem que a família está em crise. Isso também se reflete nesses casos?
Existem novos modelos de família. Há novas composições, não é mais só aquele modelo de pai, mãe e filhos. Hoje têm avó, tios, todos no mesmo ambiente. Tem dois pais e filho, duas mães e filho. Mas o sentido de família ainda persiste.
O senhor também trabalha com acupuntura?
Também tenho especialização em acupuntura. E no Monte Alegre há uma excelente aceitação. As pessoas me procuram para tratar por acupuntura, principalmente para doenças musculares, ansiedade e depressão.
Desde quando achou que seria médico?
Desde criança, na fase do ‘o que você vai ser quando crescer?’, eu respondia ‘médico’. Meu pai é antiquário, minha mãe professora, e não sei por que sempre disse isso. Sempre pareceu para mim a coisa certa. Nunca tive dúvidas.
Sandra Zen da Cruz, 50, dona de casa: “Ele é um médico maravilhoso e na verdade o considero mais como um amigo que ganhei. É atencioso e presta atenção no que a gente fala. Eu faço acupuntura porque tenho LER (lesão por esforço repetitivo), causado pelo trabalho em casa.”
Antonio Correia Leite, 66, aposentado: “Ele é um médico muito bom, dá atenção pra gente e não quer terminar a consulta logo. Eu vim trazer o resultado do meu exame de sangue periódico, porque tenho gastrite. Mas percebo que estou melhor.”
Eliana de Oliveira Jacinto, 45, dona de casa: “Apesar de ele ser mais jovem que a gente, às vezes ele parece um pai, no jeito de falar, de se importar. Ele é também um ótimo psicólogo. Eu estou fazendo acupuntura para me livrar do cigarro, essa droga inútil que me domina faz tempo.”
Célia Rita da Cunha Pereira, 50, dona de casa: “Dos médicos que passaram pelo Monte Alegre, ele sem dúvida é o melhor. Ele trata a gente com carinho e faz com que a gente se entregue ao tratamento. Estou com problemas de pressão alta e tenho seguido todas as recomendações dele.”
Roseli Aparecida Tomaz de Oliveira, 52, dona de casa: “Eu gosto muito dele porque a gente se sente à vontade na consulta. Eu vim para fazer exame periódico de colesterol e diabete. Meu marido também vem e fala bem dele.” (por Ronaldo Victoria)