Fazemos acontecer

Castanholas espanholas: o prêmio

Publicado na Revista Monte Alegre | 08ª Edição | Abril | 2012
Foto: Divulgação

Anos 50. Eu, nos meus sete anos, fazia parte da primeira orquestra infanto-juvenil do país, que há poucos anos comemorou seus 50 anos de existência em Piracicaba.

O maestro Ernst Mahle e a coordenadora, sua incansável esposa, Cidinha Mahle, tocavam juntos a ‘orquestrinha’, como a chamávamos carinhosamente.

O local do concerto era a Sociedade Italiana ou Società Italiana de Mutuo Soccorso, uma linda casa vitoriana, imponente com suas duas colunas no alto das escadarias, com seu teatro magnífico (recentemente restaurada com a ajuda de empresários e da municipalidade para os eventos da Casa de Noel).

Crianças alvoroçadas, umas afinando seus instrumentos, meninas arrumando seus laços de fita na cabeça... Abrem-se as cortinas. Começamos a tocar um arranjo do maestro Mahle para a música Garibaldi (se não me falha a memória).

Nessa música eu fazia parte da percussão e estava com as castanholas. Estranhei a ausência de mais três crianças que também deviam estar fazendo o mesmo que eu: imitar o som dos cavalos trotando. Fiz grande esforço para tocar sozinha e cumprir aquela tarefa. Coloquei mais força nas mãos para que os cavalos fossem ouvidos!

Terminada a peça houve muitos aplausos. Mas também percebi muitos risos que pareciam voltados para mim, incluindo os dos meus pais.  Fiquei arrasada pensando ter feito alguma bobagem ou cometido um erro! Terminado o concerto eu fiquei me escondendo envergonhada.

Dias depois, na primeira reunião da orquestra após o concerto, a Cidinha nos fez uma preleção sobre a importância da responsabilidade que cada pessoa tem num grupo e disse ter um prêmio para alguém da orquestra que mostrou muito daquela importante qualidade por ter assumido a ausência de colegas. Incrédula eu a ouvi chamar meu nome para receber um lindo presente, um livro que jamais esquecerei chamado “Os Jardins de Aída”.

Naquela ocasião, eu jamais poderia imaginar por quantas vezes na vida adulta eu me recordaria daquela situação. Em quantas ocasiões fui impelida a assumir pesadas responsabilidades extras! A simples lembrança daquele prêmio multiplicava-me as forças e enchia meu coração de coragem para seguir em frente!

Foi através da música que recebi uma das melhores lições da minha vida: o principal ingrediente do trabalho em grupo é, sem dúvida, a responsabilidade.

Há poucos anos, visitei Málaga, na Espanha, a terra do meu amado avô Eduardo Rafael Fernandes, já um artista multimídia que compartilhou aulas de pintura com ninguém menos do que Pablo Picasso. Vovô Eduardo foi pioneiro em Piracicaba com sua máquina fotográfica e ainda tocava muito bem seu violino. Temos depoimentos dele no Museu da Imagem e do Som.

Tomada pela emoção de estar sendo premiada com aquela viagem maravilhosa, decidi então me presentear por tantas lutas travadas ao longo da vida. Cuidadosa e criteriosamente andei de loja em loja até adquirir as melhores castanholas espanholas que encontrei. Elas hoje fazem parte do meu acervo de instrumentos de percussão tão usados por meus netos lá em casa!

Se você, leitor, também tiver uma história curiosa e significativa vivida em Piracicaba, que tal compartilhá-la conosco?

 

Re Fernandes é piracicabana, mora no Rio, é artista multimídia, designer, professora e pesquisadora das linguagens artísticas. É autora do livro Da Cor Magenta – Um Tratado Sobre o Fenômeno da Cor e Suas Aplicações, pela editora Synergia, RJ.

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