A Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) recebeu no final de dezembro de 2012 a maior remessa brasileira de tonéis de carvalho já feita para o Brasil para fins de pesquisa. A madeira, a mais nobre e com maior poder em termos de impacto sobre a percepção sensorial de bebidas alcoólicas, é importada e foi adquirida em tonéis por R$ 75 mil, financiados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Segundo o professor André Alcarde, do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição (LAN) da Esalq, 25 tonéis novos foram importados da França e dos Estados Unidos para a destilaria do campus. “No Brasil, nunca se fez um investimento assim em tonéis novos”, diz ele.
Ainda conforme o professor, tradicionalmente, todas as destilarias comerciais trabalham com tonéis antigos porque o carvalho tem um preço muito alto – cerca de R$ 3.000 cada com capacidade de 225 litros –, é totalmente importado e a compra de novos recipientes se complica.
Uma nova destilaria, anexa ao espaço antigo, foi instalada para receber os novos tonéis – as obras de alvenaria ficaram prontas em dezembro e a destilaria foi comprada da fabricante Alambiques Santa Efigênia (MG), o que demandou outros R$ 175 mil também em recursos da Fapesp.
O espaço recém-finalizado conta com uma destilaria completa de cachaça de alambique, coluna de destilação, caldeira à vapor e tanques de inox. O assunto é tão relevante que já há um estudo, desde meados de 2012, no Laboratório de Tecnologia em Qualidade Química de Bebidas da escola para preparar o departamento da Esalq nos trabalhos acadêmicos com os novos tonéis. Com a aquisição, a Esalq analisará, pela primeira vez na área de pesquisas, o comportamento da bebida em recipientes ‘virgens’: a interferência dos anos no processo de envelhecimento; as condições climáticas e de temperatura brasileiras; aspectos como evaporação, umidade e calor, formando um leque de todos os fatores que alteram os resultados para a bebida.
Assim, a combinação carvalho e aguardente é tema de pesquisa da doutoranda em ciência e tecnologia de alimentos pela escola, Aline Marques Bortoletto, que busca adaptar os estudos realizados na França para o comportamento da bebida mais popular no Brasil. Todo o projeto, também viabilizado pela Fapesp, deverá estar finalizado até o início de 2015.
Segundo Aline, amostras mensais são retiradas de cada um dos tonéis para análise em laboratório. “Somente após o período de dois anos iremos fazer a análise sensorial, que será realizada por uma equipe especializada em avaliar a cor, sabor e aroma da bebida, mesmo porque o tempo ideal para envelhecimento da cachaça é de três anos para obtenção de uma bebida extra premium”, conta a pesquisadora.
A expectativa do professor Alcarde é a de que a aguardente proveniente desses novos tonéis apresente uma qualidade superior frente aos resultados conseguidos até o momento com recipientes já muito usados. A aguardente da escola ainda passará por um processo de bidestilação, como os uísques escoceses. É esperar e saborear.
A cachaça da Esalq é fruto de mais de 80 anos de pesquisas em fermentação alcoólica e em destilação, realizadas no atualmente denominado Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição. A destilaria da escola iniciou suas atividades em 1956 e até hoje mantém seu objetivo de propiciar a prática em ensino e pesquisa na área de produção da bebida típica em Piracicaba.
A Esalq é dona do mais completo centro de desenvolvimento da qualidade da cachaça do Brasil, tendo área de cultivo de cana-de-açúcar, processo de extração e de tratamento do caldo, sistemas de fermentação alcoólica, diferentes aparelhos de destilação e etapa de envelhecimento da bebida em tonéis feitos a partir de dez tipos de madeiras.
O acompanhamento científico das novas tecnologias empregadas para a melhoria da qualidade da cachaça é realizado em laboratórios que contam com os mais modernos equipamentos de análises químicas de bebidas. Os resultados dos trabalhos são veiculados em publicações técnicas e científicas.
O centro conta também com salas de aula e anfiteatro para a difusão dos conhecimentos teóricos. Cerca de 80 alunos, entre graduandos e pós-graduandos, frequentam anualmente as disciplinas ministradas. Produtores são atendidos em cursos periódicos de capacitação técnica e por serviços de análises químicas das cachaças enviadas.
O professor André Alcarde destaca que a bebida produzida na escola possui qualidade similar aos destilados finos em nível mundial. “A nossa cachaça é bidestilada e segue o modelo do processo feito para o uísque. Chegamos a ter resultados próximos à qualidade dos uísques escoceses. E sempre é bom lembrar que o processo de destilação é mais importante do que a própria matéria-prima”, conta Alcarde.
Atualmente, a destilaria da Esalq estuda também oito tipos de madeira nacional para o envelhecimento da cachaça – cerejeira, cabreúva, ipê-roxo, araruva, amendoim, jequitibá, pereira e grapia. A bebida envelhecida em tonéis de cerejeira e jequitibá-rosa são as que mais se assemelham quimicamente com o processo obtido em madeira de carvalho – árvore somente encontrada na Europa e nos Estados Unidos.
Por aspectos culturais e históricos, há demandas interna e externa de apreciadores e conhecedores da qualidade da cachaça desenvolvida na Esalq. Para os interessados em agendar uma visita, o procedimento pode ser feito pelo telefone 3429-4198 ou pelo e-mail do professor, andre.alcarde@usp.br.
Para os produtores e interessados na produção de cachaça de alambique, a Esalq disponibiliza todo seu know-how em curso certificado pela Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq). As inscrições estão abertas na página eletrônica do Pecege (Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas), www.pecege.org.br. O curso acontece de 11 de maio a 15 de junho, sempre aos sábados. (por Cristiane Bonin)