Quem fala a verdade não merece castigo, dizia minha mãe. Porém, quando se trata de aumentar os custos de um projeto em mais de 200%, vem aquela vontade quase indomável de mentir.
O casal recém-casado, à procura de uma cozinha nova, espera desta maneira aumentar as chances de venda da cobertura duplex no centro da cidade. Ampliar a cozinha, aproveitando o espaço pouco usado da varanda, era a meta. Apesar de serem apaixonados pela localização do imóvel, não viam outra alternativa senão a venda.
Depois de analisar bem todas as possibilidades, ficou claro que o apartamento não oferecia o sex appeal esperado de uma cobertura com vista fenomenal do skyline da cidade.
A ponte Erasmusbrug, do arquiteto holandês Ben Berkel, é de tirar o fôlego de qualquer um. Construída em 1996, mede 802 metros de largura e 139 metros de altura. A ponte, além de ícone, é palco de atrações variadas durante o ano inteiro. A maratona internacional de Roterdã, o espetáculo aéreo Red Bull Air Race e o fantástico show pirotécnico nas comemorações de fim de ano são alguns exemplos.
Mas, o mais importante é que ela se localiza na frente do imóvel! Razões de sobra para repensar a venda e ressuscitar o espaço. O ideal seria uma mudança drástica na disposição da planta, muita obra, alguns meses de ausência para o novo casal e um aumento astronômico do orçamento inicial.
Mentir seria a forma mais prática e de certo a mais simples. Mas, às vezes, temos aquela intuição que nos persegue sem piedade e, por mais que a lógica grite ‘não faça isso, Marcelo!’, a verdade articula melhor. Não seria justo omitir as possibilidades que o imóvel oferece.
O projeto apresentado foi o de mudança radical. A primeira reação foi de descrédito e confusão, ‘afinal era só uma cozinha nova o que queríamos’, argumentou o casal perplexo. Felizmente foram necessários somente alguns desenhos da nova planta para justificar o excesso de trabalho e, sobretudo, o aumento nos custos das obras.
A cozinha nova ficou maior, todos os muros internos foram derrubados. O banheiro passou para o andar de cima e o quarto de hóspedes foi trocado por um walk in closet. O eixo central do apartamento abriga parte da cozinha, se estende pela sala de televisão e termina na sala de estar em estantes para livros, tudo feito a mão e sob medida em madeira de carvalho com acabamento white wash. O piano ganhou espaço especial e a porta de correr em vidro dá ares de casa térrea.
O piso aquecido é de epóxi e imita cimento queimado, criando uma sensação aconchegante de Verão durante todo o ano. O sofá da dinamarquesa Hay foi especialmente fabricado para o espaço e estofado em azul-jeans para reforçar o caráter descontraído dos proprietários. A mesa em Corian preto é da italiana Desalto; as luminárias em cobre, do inglês Tom Dixon. A cadeira azul é feita de argila, a mão, pelo designer holandês Maarten Baas e mostra o interesse dos proprietários por design de alta linha. Na sala de estar, as poltronas Barcelona de Mies van der Rohe completam o estilo loft do apartamento.
No andar superior, do quarto do casal se tem acesso ao closet e ao banheiro. A zona da lavanderia ganhou espaço no hall superior de onde se tem acesso ao terraço com vista panorâmica da cidade.
O resultado é uma metamorfose completa do apartamento que culminou na desistência definitiva da venda do imóvel. O espaço apesar de dividido em dois pisos, agora tem decoração personalizada e exala ares de cobertura, finalmente.
A verdade doeu, mas doeu só no bolso...